Ainda nâo foi publicado o acordão referente à decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à permissão que a gestante de um feto anencéfalo terá para interromper a gravidez, se quiser. Aos mais apressados é forçoso dizer o óbvio (para lembrar Nelson Rodrigues: "ululante") que a gestante não está obrigada a interromper a gravidez: somente isso ocorrerá se ela quiser e com a concordância do pai. Nem que tal decisão importará em descriminalização do crime de aborto.
Alguns votos já estão disponíveis, dentre os quais o do relator, ministro Marco Aurélio, e pelo que se pôde observar pela dicção dos outros (7) que votaram a favor da procedência da ADPF 54 o fundamento é o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Conforme eu já disse neste espaço, durante anos fui o responsável pela elaboração dos pedidos para interrupção de gravidez na comarca de Campinas: é que eu atuava na Vara do Júri e ali se processavam os pedidos.
O fundamento que o Juiz de Direito utilizava era a inexigibilidade de outra conduta como causa supralegal de exclusão da culpabilidade: não se podia exigir da gestante outra conduta que não fosse aquela de interromper a gravidez. Em minha opinião, o fundamento deveria ser outro, diferente deste e do utilizado pelos ministros do STF: se o feto não tem encéfalo, não há vida. O bem tutelado no crime de aborto é a vida intra-uterina, mas, como eu já disse aqui, uma vida intra-uterina que venha a se converter em extra-uterina. Ademais, no Brasil a lei de transplantes (n° 9.434/97, artigo 3°) estabelece que certos órgãos e partes da pessoa somente podem ser retirados depois de sua morte encefálica. Em outras palavras: a morteno Brasil dá-se quando ocorre a morte encefálica: não há mais vida a ser tutelada (óbvio que a mesma lei de transplantes criminaliza algumas condutas de ações praticadas contra o cadáver [como, por exemplo, no artigo 14, que pune com a pena de reclusão de 2 a 6 anos, e multa de 100 a 360 dias-multa, quem retira partes ou órgãos de cadáver em desacordo com a lei], mas já não se trata mais de proteção à vida).
O STF manifestou-se em mais um julgamento histórico e desta vez tardiamente: a crítica não vai a ele, que, como uma das características do Poder Judiciário, somente pode manifestar-se quando provocado, ou seja, quando alguém pede a sua manifestação. Aliás, mais uma vez o STF legislou, permitindo mais uma hipótese legal de interrupção da gravidez, porque os senhores parlamentares - como também eu já disse aqui - deixaram de aprovar projetos que ali tramitaram durante anos.
Silvio Artur Dias da Silva
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