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Mostrando postagens de setembro, 2012

O leilão do hímen e a sedução da lésbica

 Dias atrás, "explodiram" na mídia duas manchetes no mínimo bizarras: uma jovem catarinense leiloaria a sua virgindade, aplicando o "lucro" na compra de casas populares (seria arrecadado tanto assim?, foi a primeira indagação que me assaltou); a segunda manchete anunciava que um milionário chinês oferecia uma vultosa quantia (precisamente 132 milhões de reais - lógico que não em reais, porque ninguém aceitaria...)  para o homem que conseguisse seduzir a sua filha lésbica, convencendo-a a casar. A membrana himenal - em homenagem a Himeneu, filho de Apolo e Afrodite, deus do casamento (lembro que, quando estudava o nome, em Direito Civil, nos idos de 1973, no livro adotado, de Washington de Barros Monteiro, na lista de nomes estrambóticos havia este: Himeneu Casamentício das Dores Conjugais...) - era a prova da virgindade, necessária à validade do casamento e caracterizadora do crime de sedução, artigo 217 do Código Penal, que tinha uma dicção romântica: "seduzi

"Glorinha" e "Mel"

                        “Glorinha” e “Mel” eram epítetos – ou “nomes de guerra” – de dois travestis que atuavam na zona do meretrício de Campinas, o famoso Jardim Itatinga. O primeiro (ou primeira?) era magro, de estatura mediana; enfim, de aparência um pouco frágil. Já “Mel” era mais encorpado, não chegando, todavia, a ser forte.                         Ambos envolveram-se em uma briga num bar naquele bairro contra dois, por assim dizer, “usuários” dos serviços ali oferecidos: dois operários da construção civil que foram ao local em busca de diversão. Dessa escaramuça resultaram ferimentos em todos, com mais gravidade nos dois operários, num deles muitos sérias as lesões. Terminada a refrega, passaram por um pronto-socorro, onde foram medicados e dispensados. Um deles continuou sentindo fortes dores abdominais. Elas foram aumentando. Levado novamente ao pronto-socorro, era tarde demais: o baço havia estava rompido, sequela da refrega, e houve infecção generalizada, com

A morte do prefeito (capítulo 11)

Na mesma data, ainda 20 de setembro, o Secretário dos Negócios Jurídicos fez a entrega à autoridade policial de um “documento” de 15 laudas. Talvez tal papelório pudesse ser chamado de “dossiê” (não se pode esquecer que o prefeito era filiado a um partido político que tem uma especial queda pela confecção de dossiês).                         Referido documento, que nem assim pode ser chamado, pois é apócrifo, contém doze itens (embora equivocadamente enumerados até onze, pois num deles – o quinto – foi repetido o número), todos com título, com alguns nomes e algumas situações que poderiam ter interesse na morte do prefeito. O primeiro item, que tem como título o nome de uma pessoa do sexo feminino, refere-se, coincidentemente, àquela mulher citada pela viúva do prefeito. Há ali um resumo da situação dessa mulher: ela estava sendo investigada sigilosamente pelo prefeito com relação à titulação acadêmica que havia apresentado, e que teria sido falsificada, para ter assento no Co

A supermãe

                          Dona Vanderli foi acusada de haver cometido um crime de homicídio simples, na forma tentada.                         Por essa ocasião, o juiz titular da Vara do Júri da comarca de Campinas, José Henrique Rodrigues Torres, numa atitude inédita, no ato do recebimento da denúncia já nomeava a PAJ para atuar na defesa do réu, devendo estar presente quando da realização do interrogatório judicial [1] , sem prejuízo de que o réu contratasse um defensor particular. Participei de seu interrogatório judicial, tendo, evidentemente, conversado com ela antes.                         A história era muito boa para a defesa: uma pessoa do bairro em que ela morava começou a cobrar “pedágio” das pessoas que passavam pela rua e uma das vítimas dessa “cobrança” foi um filho de Vanderli: o rapaz, porém, não tinha dinheiro e foi praticamente deixado de cueca, quase nu. Ao chegar em casa, narrou o fato à mãe. Ela foi conversar com o “cobrador”, pedindo a ele

O projeto do CP - crime de pessoa jurídica

Um dos temas mais discutidos no Direito Penal brasileiro é o referente à possibilidade da pessoa jurídica cometer crime. Durante longos anos, juristas de renome (antigo: de escol) negaram peremptoriamente essa possibilidade e a fundamentação era uma só: apenas as pessoas humanas podiam agir. A ação, afirma Reale (pai), é atributo do ser humano; os outros seres não agem: movem-se tocados por seus instintos. Ele trabalha com o exemplo do joão-de-barro, que constrói a sua casa sem que ninguém lhe tenha ensinado. Há outro, talvez melhor (com o perdão da pretensão): o leão abate a zebra não porque não aprecie o listrado, mas sim porque precisa alimentar-se. O tema "pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime remete a outro?": a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de crime contra a honra? Quase maciçamente a doutrina brasileira responde não qanto à calúnia e à injúria, admitindo, e não de forma unânime, somente quanto à difamação. Quanto à calúnia, por motivos óbvios: se

A morte do prefeito (capítulo 56)

Iniciou-se o 10° volume do processo que apurava a morte do prefeito Toninho com o depoimento que “Jack” [1] prestou ao Delegado de Polícia que passara a presidir o inquérito policial (a apuração, conforme já registrado, houvera, por ordem superior, sido deslocada do SHPP da DIG de Campinas para aquela especializada paulistana, o DHPP). O depoimento foi prestado no dia 2 de setembro de 2002 e somente encaminhado, por ofício, a Campinas no dia 7 de outubro daquele ano.                         “Jack” era uma figura muito interessante – conversei com ele diversas vezes e em todas essas vezes ele tinha ido à assistência judiciária à minha procura. Tinha idéias bem articuladas e expressava-as bem. Porém, não era muito loquaz.                         Ele – segundo afirmava – trabalhava como garçom em um bingo localizado na Rua Paula Bueno, no bairro Taquaral. Foi levado ao DHPP pelo Deputado Estadual pelo PT Renato Simões. Em seu longo depoimento ele narra algo que se assemelha a uma co

O projeto do CP - a delação premiada

A delação premiada entrou para o sistema punitivo brasileiro na década de 90, mais precisamente pela "lei dos crimes hediondos", (nº 8.072, de 25 de julho), importada diretamente da Itália, país com grande experiência no combate à criminalidade organizada (máfia, óbvio). Uma das suas aplicações referia-se ao crime de extorsão mediante sequestro cometido em quadrilha ou bando (para lembrar: crime de concurso necessário) e o "co-autor" (e os partícipes?) que o denunciasse (em vez de usar o verbo delatar, a lei usava - e usa - este, menos semanticamente perverso) "à autoridade... facilitando a libertação do sequestrado terá a sua reduzida de um a dois terços". Naquela época, a extorsão mediante sequestro era uma verdadeira "epidemia" no Rio de Janeiro (um amigo do presidente estava sequestrado e a quantia pedida a titulo de resgate era vultosa). Este foi o primeiro passo: vieram outros, como, por exemplo, na lei de "lavagem" de capitais,

A jurada bonita e os antecedentes do réu

                        Tinha tudo para ser um julgamento sem qualquer complicação: a acusação era de homicídio simples tentado e a vítima tinha antecedentes. Tratava-se de uma briga nas imediações da Estação Rodoviária de Campinas e o réu havia desferido uma facada na vítima, que sobrevivera; a classificação como homicídio tentado: a vítima não morrera por “circunstâncias alheias à sua vontade”.   O réu também tinha antecedentes e em grande número. A sua folha era vasta, com diversos registros de incursões pela parte especial do Código Penal. Em geral, crimes contra o patrimônio. Como sói acontecer: raramente existe reincidência nos crimes contra a vida. O homicídio – dentre os quatro contra a vida (os outros são participação em suicídio, infanticídio e aborto) – representa infalivelmente um ponto isolado na vida do acusado. A não ser em casos que a mídia tem o hábito de chamar de “serial killer”, em que parece que o homicida tem prazer por matar – ou se trata de um d

A morte do prefeito

Aquela tinha sido em Campinas uma segunda-feira como todas as outras de fim de inverno, quase início de primavera: ensolarada, quente e com bastante trabalho, mais parecendo um dia de verão. Aulas no período da manhã na Faculdade de Direito da PUCCamp, audiências no período da tarde na Vara do Júri da comarca de Campinas, com uma ida antes e outra depois à Seccional de Assistência Judiciária da Procuradoria Regional de Campinas. Aulas também no período noturno. Por volta de onze e meia da noite, quando já estava preparado para dormir, soou o telefone fixo de minha casa. Pelo horário, um telefonema pode ser sintoma de má notícia: era, mas não envolvendo ninguém da família. Do outro lado da linha, uma parente, emocionada, dizia, aos prantos, para ligar a televisão num canal local: o Prefeito Toninho havia sido morto. Liguei o aparelho e me inteirei da notícia. O susto foi imenso, porém nada havia a fazer senão dormir. Mal imaginava de depois de aproximadamente um ano eu estari

O projeto do CP - Omissão de socorro a animal e a proporcionalidade

Uma das tarefas mais árduas para quem redige um projeto de lei penal, seja de uma simples lei, seja de um código, é respeitar o princípio da proporcionalidade das penas. Este princípio tem muito mais visibilidade (ou aplicação) no âmbito do Direito Administrativo, em que é também chamado de "proibição do excesso". O STF o tem invocado em diversas de suas manifestações, a grande maioria no Direito Administrativo, umas poucas no âmbito do Direito Penal. Como exemplo desta, há uma manifestação, concedendo uma ordem de "habeas corpus" e aplicando tal princípio num caso de receptação qualificada, em que a pena é sensivelmente maior do que a cominada à receptação dolosa: nesta modalidade, o dolo é direto ("que sabe ser produto de crime"), enquanto que naquela o elemento subjetivo do tipo é expresso com a formulação "deve saber". Segundo este princípio, hoje consagrado em Direito Penal, a pena, quando se constrói o tipo legal, deve guardar uma proporção

O projeto do CP - inimputabilidade e medida de segurança

A pena tem como fundamento a culpabilidade; a medida de segurança tem como fundamento a periculosidade. Esta frase do ministro Nélson Hungria tem sido esquecida por muitas pessoas, que a tem utilizado inclusive como fundamento à decretação de prisão preventiva. Nos termos atuais, o agente inimputável por doença mental que pratica fato definido como crime submete-se à imposição de uma medida de segurança, podendo ser internação ou tratamento ambulatorial. Adotou-se, para a fixação da inimputabilidade, o sistema bio-psíquico ou bio-psicológico (artigo 26). Se o crime praticado for punido com a pena de reclusão, a medida prevista é a internação; se for com detenção, tratamento ambulatorial. Esta fórmula não tem sido seguida na aplicação da lei, pois em geral se pergunta ao perito qual a terapia indicada no caso "sub judice", se a internação, se o tratamento ambulatorial. Não há prazo máximo fixado no Código Penal para o cumprimento da medida, ao contrário do que ocorre com a pen

O projeto do CP - "bullying" e "stalking"

Dentre as inovações que o projeto de Código Penal ora em tramitação no Senado Federal traz, duas são dignas de destaque, respectivamente, "bullying" e "stalking" (é óbvio que elas não serão conhecidas pelos anglicismos com que são tratadas pela mídia brasileira, e sim terão os seus nomes em português). A primeira delas, o "bullying" começou a ser notado - e debatido - no Brasil em meados dos anos 2000, embora desde sempre tenha existido. A atenção foi despertada porque em outros países, Estados Unidos por exemplo, algumas pessoas vítimas dessa conduta foram levadas ao gesto extremo, o suicídio. No Brasil não chegou a tanto. No projeto, o "bullying" tomará o nome de "intimidação vexatória", com pena de prisão de 1 a 4 anos, sendo classificado como crime de ação penal pública condicionada (à representação). O tipo legal está assim redigido (artigo 148, Título I - Crimes contra a pessoa, capítulo V - crimes contra a liberdade pessoal): &