Na mesma data, ainda 20 de setembro, o Secretário dos Negócios
Jurídicos fez a entrega à autoridade policial de um “documento” de 15 laudas.
Talvez tal papelório pudesse ser chamado de “dossiê” (não se pode esquecer que
o prefeito era filiado a um partido político que tem uma especial queda pela
confecção de dossiês).
Referido
documento, que nem assim pode ser chamado, pois é apócrifo, contém doze itens (embora
equivocadamente enumerados até onze, pois num deles – o quinto – foi repetido o
número), todos com título, com alguns nomes e algumas situações que poderiam
ter interesse na morte do prefeito. O primeiro item, que tem como título o nome
de uma pessoa do sexo feminino, refere-se, coincidentemente, àquela mulher
citada pela viúva do prefeito. Há ali um resumo da situação dessa mulher: ela
estava sendo investigada sigilosamente pelo prefeito com relação à titulação
acadêmica que havia apresentado, e que teria sido falsificada, para ter assento
no Conselho Municipal de Segurança. O prefeito mandara expedir ofício ao Reitor
da USP para averiguação. Foi constatada a falta de veracidade da titulação
acadêmica e isso seria apresentado na reunião do Conselho Municipal de
Segurança do dia 3 de setembro, mas a providência foi transferida para o dia 14
de setembro, quando, então, a pessoa, uma mulher – segundo a expressão que o
prefeito utilizava – “seria desmascarada”.
O
segundo item tem o título de “loteamentos fechados” e a situação ali descrita
pelo escrito apócrifo é assim: na noite do “assassinato”, por volta de 19,45
horas, “o prefeito havia assinado decreto revogando a permissão de uso
outorgada pelo ex-prefeito Francisco Amaral, referente ao Loteamento Parque
Alto do Taquaral”. Motivo da revogação: uma parcela dos moradores daquele
bairro “resolveram” (“sic”) fechar as ruas por conta própria, sem qualquer
autorização da Prefeitura”. Acrescenta o documento: “por outro lado, há
informações de que naquele bairro residem pessoas com vida pregressa
comprometedora”.
O
terceiro item tem o título de “investigação sobre diplomas falsos”; no dia 22
de agosto daquele ano, o prefeito havia suspendido, por decreto, os efeitos de
títulos (não esclarece quais) utilizados por professores para classificação
final no concurso de professores realizado em maio de 2.000. A Secretária da
Educação era colocada à disposição para “prestar esclarecimentos adicionais”.
O
quarto item intitula-se “especialistas da Secretaria de Educação”: o prefeito
havia determinado, no início do ano, total revisão das nomeações dos chamados
“especialistas da educação”, o que cessou privilégios (inclusive financeiros)
de muitos professores. Vez mais, a Secretária da Educação era colocada à
disposição para “prestar esclarecimentos adicionais”.
O
item de número cinco tem o título de Guarda Municipal e referia-se a esta
instituição: “havia muita insatisfação por parte dos guardas municipais mais
truculentos[1]
quanto à orientação do prefeito para as novas funções da guarda municipal, em
observância às disposições constitucionais. Muitos guardas queriam continuar
executando funções de policiamento ostensivo”. Registrava, ainda, que havia
também insatisfação por parte dos guardas que no final do ano anterior haviam
sido aprovados em concurso interno de acesso na GM. Por ordem do prefeito, tal
concurso fora anulado. O Secretário Municipal de Cooperação em Assuntos de
Segurança Pública, segundo o escrito, poderia ser ouvido a respeito.
O
item de número seis (há um erro no escrito, pois repete o número cinco)
referia-se ao narcotráfico e tem este título. Ali está descrita a preocupação (“muita
preocupação”) do prefeito com a situação dos esquemas de narcotráfico na região
do Aeroporto de Viracopos, já que era sua pretensão remover toda a população
daquela região, assentando-a em novo conjunto habitacional. Faz referência a
nomes de supostos traficantes, bem como à conversa havida entre o prefeito e o
comandante da 11ª BIB. Informações sobre este item, dizia o escrito, poderiam
ser obtidas com o Secretário da Habitação e Presidente da COHAB, o Diretor da
COHAB, o Secretário Chefe de Gabinete, o Secretário de Governo e o militar
comandante da brigada com quem houvera conversado o prefeito.
O
sexto item (na realidade, sétimo) chama-se “Departamento de Urbanismo”, cujo
diretor, segundo apontava o escrito, era “amigo pessoal” do prefeito, e ali
houvera sido determinada alteração no setor de fiscalização, pois “havia
suspeita de corrupção sobre inúmeros funcionários que atuam nesta atividade”
(não especifica qual). Tal qual nos outros itens, esclarecia que “o Diretor do
Departamento poderá prestar maiores informações sobre o assunto”.
O
item seguinte (no escrito sete; na realidade, oito) te o título de “assalto à
antiga residência do prefeito” e fazia referência a um “assalto” na antiga
residência do prefeito (Rua Arlindo Joaquim de Lemos, 1.300). Narrava que
houvera um “assalto” ali e que o “assaltante” fora preso pelo jardineiro e o
prefeito foi consultado sobre a atitude a tomar, tendo determinado que a pessoa
fosse entregue à polícia. Afirmava o escrito que “não se sabe o que poderia ser
furtado naquela residência, pois se trata de um casarão velho, sem qualquer
atrativo para ladrões”, ressaltando, porém, que o “meliante” “poderia estar
atrás de documentos”.
O
item nove (equivocadamente numerado como oito) intitula-se “Shopping Guarani” e
o relato era assim: uma semana antes da CPI do Narcotráfico passar por
Campinas, em 1.999, o prefeito denunciara o empreendimento que se pretendia
construírem área pública, próximo ao estádio do Guarani, “por suposto
envolvimento com o narcotráfico e crime organizado”. Afirmava que essa delação
resultara na inviabilidade da continuidade do projeto, “tendo causado prejuízos
financeiros de grande monta aos interessados naquele projeto, especialmente o
ex-presidente do Guarani e um empresário de Ribeirão Preto”[2].
O
item seguinte tinha o título de “contratos reduzidos e/ou cancelados”,
registrando que, “por determinação expressa do prefeito”, inúmeros contratos
celebrados por empreiteiras com a Prefeitura, tiveram seus valores (o escrito
chama de “preços”) “drasticamente” reduzidos ou foram cancelados, e destacava
estes: a) empresa Brasobras, que teve todos os seus contratos, no valor de
R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), cancelados, por “ordem direta do
prefeito”; b) consórcio Ecocamp, com redução de R$30.000.000,00 (trinta milhões
de reais) no contrato de coleta de lixo[3];
c) merenda escolar – sem fazer referência a nenhuma empresa, o escrito registra
que houve uma redução de R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) nos contratos,
também “por ordem direta do prefeito”; d) segurança terceirizada – cancelamento
do contrato com a empresa Power e redução de valores no contrato com a empresa
Gocil, ainda “por ordem direta do prefeito”; e) locação de veículos – sem
aludir a nenhuma empresa, registra que houve redução dos valores de todos os
contratos de locação deste serviço. Neste item, à semelhança dos anteriores, se
afirmava que dois funcionários municipais poderiam prestar maiores
esclarecimentos: os secretários de Finanças e o de Administração.
O
item seguinte (10 no escrito; na realidade, 11) intitulado “testemunha”,
referia-se a uma mulher, esposa do diretor do Hospital Candido Ferreira, que
entrara em contato – não esclarecia com quem – para “dizer que no dia 10/09,
poucos minutos antes do assassinato do prefeito, passou pelo viaduto da
(Rodovia) D. Pedro (acesso ao Leroy Merlin) e viu um Vectra preto (ou azul
escuro), parado sob o viaduto, com a frente para o shopping Iguatemi, com três
rapazes fora do carro, como que se estivessem tramando algo. Ela passou num
automóvel Audi e foi apenas ‘encarada’ pelos três rapazes”.
O
próximo item, e último, intitulado “ligação anônima”, relatava o seguinte: “na
data de hoje, o sistema 156 da prefeitura recebeu uma ligação do número
3228-4171, informando que tinha pistas sobre o assassinato do prefeito. Na
mesma data, uma pessoa ligou do número 3736-0329, fazendo ameaças à Prefeita
Izalene Tiene, dizendo ter sido o autor do crime do prefeito. Também o deputado
Renato Simões recebeu ameaças por telefone em seu escritório político. A
ligação foi atendida pela vereadora Maria José Cunha (PT). Por fim, o
Secretário Chefe de Gabinete (Gerardo Mendes de Melo) recebeu ligações
telefônicas ameaçadoras em seu gabinete na Prefeitura”.
[1]. Muitos processos
criminais que tramitam no foro campineiro demonstram que alguns guardas
municipais – certamente por iniciativa própria – arvoram-se em policiais e
exercem indevidamente atividade típica de polícia (civil ou militar), efetuando
busca (“revista”) em pessoas e prendendo em flagrante algumas. É óbvio que eles
podem prender em flagrante quem quer que se encontre nessa situação, mas
trata-se apenas de exercício regular de direito e não de estrito cumprimento de
dever legal, pois apenas os policiais é que têm o dever de prender em flagrante
quem seja nessa situação encontrado.
[2]. O ex-presidente do
Guarani foi efetivamente ouvido pela CPI do Narcotráfico, nenhuma providência,
porém, foi tomada contra ele; o seu advogado nesse episódio foi o mesmo que
depois foi contratado pela família do prefeito como assistente do Ministério
Público. A viúva, quando ouvida em juízo, fez referência ao fato.
[3]. Nos estertores do
processo, foi requerida pelo Ministério Público a oitiva de pessoas que teriam, ainda que veladamente, "ameaçado" o prefeito
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