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Mostrando postagens de novembro, 2012

No colo da estátua

            Eles eram três jovens mal entrados na maioridade penal; todos estudavam, um deles numa universidade estadual de prestígio internacional. Aproveitando os conhecimentos adquiridos, para ganhar um pouco de dinheiro ele ministrava aulas num cursinho. Certa noite, saindo de uma festança regada a muita cerveja (como atualmente é muito comum nas universidades), ao passarem pela praça do Carmo, resolveram brincar numa estátua que ali existia, “a dama do café”.   A estátua – não se sabe a que título foi ali construída; aliás, nunca se sabe nada sobre os monumentos no Brasil, que são poucos; sobre os museus menos ainda, o que justifica a antiga frase: “o brasileiro não tem memória” (e nem quer ter, talvez por vergonha...) - se constituía numa mulher sentada num banco. Um dos rapazes subiu no monumento e sentou-se no colo da estátua; o outro quis fazer o mesmo; o terceiro imitou os demais. Como no colo da dama cabia apenas um, iniciou-se um empurra-empurra entre os três jovens, o qu

Um país de adivinhos

       De vez em quando surge uma categoria profissional nesta “nossa terra descoberta por Cabral” que passa a ser o centro de atenção da mídia, dando entrevistas em todos os meios de comunicação. Durante uma época foram os economistas – e, em certa medida, ainda são, como neste período do pagamento do 13º salário (o que fazer com ele?, esses profissionais estão sempre aconselhando). O “czar da economia brasileira” durante um período do regime militar, o todo-poderoso Delfim Netto (que nem economista era...), disse, certa vez, que “o economista prevê o passado”, em tom de blague, evidentemente.            De um tempo até os presentes dias, duas categorias disputam palmo a palmo a atenção da mídia: o tal “cientista social” e o “consultor de segurança”. Quando ocorrem as eleições, os cientistas sociais estão onipresentes na imprensa tentando interpretar a manifestação do eleitorado, ou, ainda, numa tarefa hercúlea, interpretar os dados das (quase sempre equivocadas) pesquisas el

Interrogatório por videoconferência

            Já tinha sido feito um interrogatório, por assim dizer, “à distância” e ele ocorreu na comarca de São Paulo: o magistrado em sua sala e o réu em outro lugar, possivelmente num presídio, mas não era possível as partes (juiz e réu) verem-se: a pergunta era digitada na tela do computador e a resposta idem.             O (então) Juiz de Direito titular da 1ª Vara Criminal da comarca de Campinas, Edison Aparecido Brandão, resolveu fazer aquele que seria o primeiro interrogatório por videoconferência do Brasil utilizando “webcam”. Todo o aparato foi montado numa sala do Fórum de Campinas que então estava cedida à Apamagis e na P I (Penitenciária I de Hortolândia). Foram escolhidos dois processos relativos a crimes não graves (um era por lesão corporal leve; o outro, por furto) e que os acusados estivessem presos por outro motivo [1] . Fui nomeado para atuar nos dois interrogatórios. Corria o ano de 1996.             Na sala de audiências estavam o Juiz de Direito, o Promo

Nélson Hungria, o goleiro Bruno e Eliza Samúdio

Nélson Hungria, como se sabe, é (ainda hoje) apontado como o maior penalista que o Brasil já teve. Polemista ao extremo, presidiu (o único no Brasil) duas comissões que elaboraram projetos de Código Penal. A primeira, que foi chamada de "revisora", porque o anteprojeto havia sido feito por Alcântara Machado, professor de Medicina Legal na Faculdade de Direito da USP, e a comissão (além de Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra) foi nomeada para revê-lo, e que resultou no Código Penal de 1940 (entrou em vigor a 1º de janeiro de 1942). A segunda comissão foi a que redigiu o Código Penal de 1969, transformado em lei nesse mesmo ano mas que nuca entrou em vigor. Foi ministro do STF e foi ele o relator no "habeas corpus" que pela primeira vez reconheceu a prescrição retroativa, que depois se tornou súmula e posteriormente lei. De longe os seus "Comentários ao Código Penal" formam a mais completa obra de doutrina sobre a lei penal codificada

Jeremy Bentham, a crise no sistema penitenciário e os “mensaleiros”

       Os sistemas de cumprimento de pena privativa de liberdade – ou sistemas penitenciários - são três e dois deles foram criados nos EUA, em estados limítrofes. O filadélfico ou pensilvânico, conforme o nome logo demonstra, nasceu no estado da Pennsylvania, na Walnut Street Jail, em 1776. Neste sistema, destacou-se uma penitenciária, a Eastern State Prison, na Filadélfia, hoje museu. O outro, auburniano, surgiu no estado de New York em 1797. O terceiro, chamado de progressivo ou irlandês, é em realidade um “grupo de subsistemas” criados a partir do século seguinte. Pelo primeiro sistema, o encarcerado cumpria a sua pena em isolamento total. No segundo, o condenado ficava em silêncio todo o tempo – daí o nome “silent system”. Pelo terceiro, os condenados iam “progredindo” durante o cumprimento da pena.      Jeremy Bentham foi um filósofo inglês, apontado como o mais importante do utilitarismo. Em 1789 ele criou o panóptico, uma construção circular em que o diretor conseguia, de s

O porteiro assanhado

              Ele tinha a aparência de quem já havia atingido a terceira idade e era porteiro de um prédio no centro de Campinas em que moravam muitos jovens, a maioria estudantes. No primeiro andar morava uma jovem bonita, o que aguçou a sua concupiscência (se é que lhe restava alguma...), que, (aparentemente) excitado, passou a dirigir gracejos àquela moradora, elogiando, porém com palavras de baixo calão, os seus dotes físicos.             A moça não gostou dos “elogios” e compareceu ao 1º Distrito Policial para “registrar a queixa” e o Delegado de Polícia mandou lavrar o “t.c.o.” pela contravenção penal descrita no artigo 61 [1] da lei respectiva. Remetido ao fórum, foi distribuído à 1ª Vara Criminal e incluído numa “mega-audiência”. No dia designado, atuava eu como Defensor Público e o “autor do fato”, depois de ouvir a peroração do magistrado sobre a doação a uma instituição de caridade de uma cesta básica [2] , dirigiu-se a mim, acompanhado de sua esposa. Indagou-me acerca

Claus Roxin, o STF e o julgamento do "mensalão"

A teoria do domínio do fato, formulada pelo jusfilósfo e penalista Claus Roxin, foi utilizada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da AP 470, o popularmente conhecido "mensalão" para a determinação da autoria em alguns dos (incontáveis) delitos imputados aos (inúmeros) réus. Roxin, como é característico de todo gênio, esclarece que foi Hegler quem em primeiro lugar empregou em Direito Penal a expressão "domínio do fato". Em uma primorosa monografia, desgraçadamente ainda não traduzida no Brasil, de alentadas 767 páginas, o penalista alemão aborda com profundidade a teoria do domínio do fato; o nome da obra é "Autoría e dominio del hecho en Derecho Penal". Claus Roxin esteve no Brasil no fim do mês de outubro para proferir palestra em seminário que se realizou no Rio de Janeiro e deu uma mini-entrevista ao jornal FOLHA DE SÃO PAULO. Embora curta, a entrevista mostrou muito do pensamento do alemão. Ele, por exemplo, disse que formulou a

Absolvido e uniformizado

             N a Vara do Júri da comarca de Campinas, o réu preso deveria comparecer ao julgamento sem o uniforme, para que, no caso de absolvição, se aquele processo fosse o único motivo de sua prisão, saísse livre do prédio do fórum. Outro motivo: um réu com uniforme de presidiário sempre impressiona desfavoravelmente os jurados.             Aquele réu, porém, compareceu trajando o uniforme do sistema penitenciário paulista, de cor bege [1] . O magistrado indagou dos agentes penitenciários o motivo e eles responderam que ninguém da família tinha levado as roupas “civis” ao preso para que ele pudesse assim comparecer vestido.             Era um caso difícil [2] e eu admito que tinha poucas esperanças de conseguir a sua absolvição. Fui conversar com o Promotor de Justiça para tentar convencê-lo a concordar com o afastamento das qualificadoras, o que faria com que o homicídio fosse classificado como simples e apena imposta seria a cominada no mínimo legal, 6 anos de reclusão. E

O mito da pena mínima e o "mensalão"

Um dos mais importantes princípios de Direito Penal (e nem princípio somente é, pois consta da Constituição da República Federativa do Brasil [ela é, não se pode esquecer, de 1988], bem como do Código Penal [cuja Parte Geral é, também não se pode esquecer, de 1984], é o da individualização da pena. Na técnica de legislar em matéria penal, e isso é de longa data, depois de descrever o fato, sempre com um verbo e seu objeto (por exemplo, o artigo 121, "matar alguém"), apresenta o tipo a cominação da pena, sempre entre dois limites, mínimo e máximo. No caso do homicídio, se for o simples, de 6 a 20 anos de reclusão; se for qualificado, de 12 a 30. Para cumprir o preceito constitucional (e o infraconstitucional), da individualização da pena, o juiz deve passar por 3 fases, conforme claramente está no artigo 68 do Código Penal: na primeira fase, são analisadas as circunstâncias judiciais, descritas no artigo 59 (por exemplo, a culpabilidade, a conduta social e outras tantas, das

Marcos Valério e a delação premiada

                         Judas, o discípulo do Verbo, podia rebaixar-se a delator [o pior delito que a infâmia suporta]. “Três versões de Judas,“Ficções”, Jorge Luis Borges             Explodiu como uma “bomba” na mídia de todo o Brasil: Marcos Valério, apontado como o “operador do mensalão”, enviou “fax” para o ministro relator, Joaquim Barbosa, dispondo-se a contar tudo o que sabe sobre o assunto, ou seja, delatar todo o “esquema”.   Uma indagação: é possível agora, na fase do julgamento em que se individualiza a pena, fazer a delação?             O tema, doutrinariamente falando, é dos mais complexos dentro do Direito Penal (e fora também), pois a delação premiada, em duas das leis em que a admitem, é uma causa de extinção da punibilidade, o perdão judicial, e quanto a este existem 5 teorias que pretendem explicar a natureza jurídica da sentença que o concede. E a delação pode ser, ainda, uma causa de diminuição da pena. Portanto, ela é valorada no momento da s

A conduta social e os réus do "mensalão"

            Foi destaque na mídia que os advogados de alguns dos réus do “mensalão” entregaram aos ministros do Supremo Tribunal Federal memoriais requerendo que na fase de aplicação da pena fosse levada em conta a “conduta social” dos seus clientes. Dentre os que fizeram isto estão os defensores de José Dirceu e José Genoino: a conduta social deles foi combater a ditadura, lutando pela redemocratização do Brasil, disseram os advogados.             Conforme já disse neste espaço, um dos mais importante princípios de Direito Penal – nem pode ser chamado apenas de princípio, pois está nas leis – é o da individualização da pena. O mais importante deles, também já escrevi aqui, é o da legalidade ou da anterioridade da lei ao fato. Este está na “lei maior”, precisamente no artigo 5º, inciso XXXIX, bem como no Código Penal, artigo 1º.             O da individualização da pena está no artigo 5º, inciso XLVI: “a lei regulará a individualização da pena...”, da Consti