O
tiroteio aconteceu no Cambuí, nas proximidades da Igreja Nossa Senhora das
Dores, num dia de semana, no período da tarde, uma daquelas tardes modorrentas
e calmas: dois rapazes por ali perambulando, “em atitude suspeita”; alguém fez
uma chamada telefônica ao 4° Distrito Policial; dois investigadores de polícia
dirigiram-se ao local.
Chegando,
mal desceram do veículo do veículo oficial, já foram recebidos com tiros.
Revidaram e o saldo foi o seguinte: um dos investigadores mortos (de nome
Cristóvão: há uma placa no 4° Distrito Policial dando o nome desse policial
àquela repartição), um daqueles rapazes também morto. O suspeito – agora
homicida – sobrevivente fugiu do local a pé; quadras adiante, surpreendeu uma
pessoa que retirava o automóvel da garagem e mediante ameaça com o emprego da
arma, subtraiu o veículo e dirigiu-o até o início do bairro Nova Campinas; ali,
abandonou-o, apanhou um táxi, e foi até um restaurante no bairro São Bernardo,
onde acabou preso, não sem antes – conforme dizia a versão oficial – resistir à
prisão.
Apresentado
ao Delegado de Polícia de plantão, ele foi autuado em flagrante delito pelos
crimes de homicídio qualificado, homicídio qualificado tentado, roubo com
emprego de arma e resistência. Declinou, nesse ato, seu nome como sendo
Lourival (óbvio que falou o sobrenome). Foi qualificado, com a coleta das suas
impressões digitais[1],
e encaminhado ao “cadeião” do São Bernardo. Dali, foi transferido a um presídio
em Franco da Rocha. Conseguiu fugir. O processo correu à revelia, tendo eu
atuado em sua defesa. Foi pronunciado conforme os crimes imputados a si a
denúncia (tal qual fora autuado em flagrante).
Depois
de muito tempo, procurou-me na Assistência Judiciária uma mulher, cujo filho
estava preso (foi assim que ela se anunciou a quem a atendeu) e era defendido
por mim. Posta em contato comigo, relatou que seu filho estava preso, acusado
de matar um policial, fornecendo todos os outros detalhes. Lembrei
imediatamente do caso. Para minha surpresa, ela relatou que Lourival não fora o
matador do policial, mas sim outro filho dela que, no ato da prisão em
flagrante, deu o nome do irmão. Lourival, disse-me ela, estava preso em Curitiba
por conta do crime cometido por seu irmão em Campinas.
O
desfecho não foi dificultoso: no dia do julgamento, ao dizer ao Juiz presidente
que ele, embora sendo seu nome Lourival, não houvera praticado aqueles crimes,
foi incontinenti chamado um perito do Instituto de Criminalística: este colheu
as impressões digitais do acusado e, comparando-as com as existentes no
processo, concluiu que não eram da mesma pessoa. O verdadeiro homicida estava
solto, foragido. E seu irmão, injustamente acusado e preso, acabou sendo solto,
já que não fora o autor dos delitos.
Tudo
começou com Caim e Abel.
(Texto extraído do livro "Casos de júri e outros casos".)
[1] . Nessa época, quase
final da década de 80, de toda pessoa qualificada em inquérito policial eram
colhidas as impressões digitais (popularmente: “tocar piano”). Tal exigência
deixou de existir, a partir da Constituição de 1.988, se a pessoa já fosse
identificada civilmente; depois, lei ordinária – n° 10.054/00 – passou a exigir
a identificação criminal nas situações que ali especifica.
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