Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram
prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o
próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão
do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício[1] no
bairro Jardim Itatinga.
Logo que a minha família
veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era
exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas
praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As
casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram
obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã: colocar uma luz vermelha logo na entrada da
casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas,
digamos, de família, naquele bairro,
houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se
formava, mais adiante, o Jardim Santana,
no lado oposto à CPFL. Começaram as casas a ser construídas, porém os moradores,
no período noturno, destruíam as construções. Foi, então, que se deu a mudança
para o Jardim Itatinga, muito distante da cidade – quase uma viagem.
O nome Jardim Itatinga
era sinônimo de exploração da prostituição e ali a criminalidade era da mais
variada ordem: tráfico de entorpecente, furtos, roubos, homicídios, e,
obviamente, a própria exploração da prostituição (artigo 229 do Código Penal).
Atuei no plenário do júri em alguns casos ali ocorridos[2].
Pois as personagens femininas
deste episódio ali trabalhavam e passaram a disputar o amor de um homem, tendo
este optado por uma delas, o que, evidentemente, fez nascer o ciúme doentio em
uma delas. Em plena tarde de um dia de semana, o "amor" de ambas, o pivô do enredo, passou na casa
da “escolhida” e saíram para namorar. Ele dirigia uma caminhonete e
estacionou-a debaixo de uma árvore. Abriu as portas e deitou-se no colo da escolhida.
Sorrateiramente, a desprezada aproximou-se pelo lado do passageiro e desferiu
uma certeira facada no coração da escolhida, matando-a quase instantaneamente,
embora tenha sido socorrida. Fugiu do local.
Foi instaurado o
inquérito policial e em juízo foi decretada a sua prisão preventiva. Presa, acusada
de homicídio qualificado, foi levada a julgamento e, para a minha estupefação,
não era esta a sua primeira incursão nos crimes contra a vida: na cidade de
Santa Bárbara d’Oeste ela havia cometido outro homicídio.
A minha atuação não foi
suficiente para convencer os jurados a ao menos reconhecer o homicídio privilegiado: foi condenada e a pena imposta foi a
mínima cominada ao tipo legal, 12 anos de reclusão. Felizmente, para ela, ainda
não existia a lei de crimes hediondos, o que obrigaria o juiz a fixar o regime fechado integral,
E não sei se ela matou
por amor ou por dinheiro. Afinal, ela o conheceu como um “freguês” e talvez
estivesse querendo eliminar a “concorrência”.
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