O
escritor peruano (e espanhol: tem dupla cidadania porque Alberto Fujimori
ameaçou cassar-lhe a cidadania peruana[1])
Mario Vargas Llosa recebeu, merecidamente, o premio Nobel de literatura no ano
de 2010. Sua vasta obra é digna de ser “devorada” por quem gosta de ler. Sua –
por assim dizer - especialidade é o romance histórico e para escrevê-los
(desnecessário seria dizer) o autor viaja ao local em que fato (ou o
personagem, ou ambos) se deu para pesquisar e, assim, retrata-lo com fidelidade.
Dentre estes há alguns dignos de nota: “La fiesta del chivo”, ambientado na
República Dominicana, época em que Rafael Trujillo a governava; “A guerra do
fim do mundo”, em que aborda o fenômeno Canudos e Antonio Conselheiro (e para
escrever a obra ele veio morar no Brasil, no mesmo estado em que ocorreu o
movimento), “El sueño del celta”, em que fala de Roger Casement; “El paraíso en la otra esquina”, em que fala
de Flora Tristán (avó de Paul Gauguin). E todas essas obras – e algumas mais –
podem ser classificadas de “primas”. Outros que não são romances históricos,
mas que mantêm a mesma grandiosidade merecem referência: “Pantaleón e as
visitadoras”, “Tia Júlia e o escrevinhador”, “A casa verde”, e este que apontam
como autobiográfico: “Conversa na Catedral” (Catedral era o nome de um bar).
Além
do oficio de escritor de romances (em espanhol: “novelas”), Vargas Llosa mantém
coluna em vários jornais de prestígio, como, por exemplo, o espanhol “El
País”). Há mais de 10 anos ele escreveu um artigo que, como muitos outros
(todos os outros, a bem dizer), é um primor e o título já é por demais
chamativo e explicativo: “A mais próspera indústria do mundo: o roubo”. Pelas
ocorrências de que foi vítima e que ele narra no texto, constata-se que não se
trata de crime patrimonial violento, como o título sugere, mas de furto, ora
com destreza, ora com emprego de chave falsa, enfim: furto qualificado.
A
primeira das ocorrências por ele narradas é referente a um furto de que ele foi
vítima no aeroporto de Barajas, em Madri, em que ele teve subtraído o seu
computador. Ele louva a habilidade do ladrão que conseguiu retirar o aparato do
meio de duas malas e de sob um impermeável. Admirado, ele afirma que a sua
primeira reação foi respeito ao ladrão.
Foi
vítima de furto num hotel na cidade de Barcelona (onde, antes, houvera sido
vítima do mesmo crime outro escritor laureado com o Nobel e também latino
Gabriel Garcia Marques). Outro furto de que foi vítima ocorreu em Londres e em
outras localidades de primeiro mundo.
Afirma
ele que “o roubo já não é – se é que foi alguma vez na história - um acidente,
uma exceção, um fato inusitado na vida dos contemporâneos. Não. É um
experiência integrada à vida de todo mundo, alguns mais que outros, diga-se
logo, mas que ninguém está a salvo ou
exonerado dessa realidade que passou a fazer parte da experiência genérica,
como ir ao cinema, ou sair de férias, ou afogar a alma no trabalho para não
morrer de fome. O roubo é, desgraçadamente, uma indústria que prospera mais
facilmente nas sociedades abertas do que sob os sistemas autoritários ou
totalitários, porque nestes a repressão, a brutalidade das sanções, a
vigilância asfixiante da intimidade tornam infinitamente mais custosa e difícil
a vida dos ladrões”.
Pois
é: se o Nobel de literatura de 2010 viesse ao Brasil, veria que a prosperidade
dessa indústria, a da rapina, atingiu o seu clímax, não somente porque exista
liberdade e nem porque a lei penal seja branda: é que a leniência dos órgão
encarregados de aplica-la é mais próspera do que a própria indústria em si.
[1].
Como registra a história, ambos concorreram à presidência da República peruana
no ano de 1990, tendo sido Fujimori o vencedor. Depois de manobras dignas de um
tiranete sul-americano, conseguiu alterar a Constituição e foi reeleito. Com
várias acusações de toda ordem contra ele, fugiu para o Japão e anunciou a sua
renúncia. O curioso é que ele obrigou Vargas Llosa a obter outra cidadania (a
espanhola) e ele, Fujimori, tinha duas: a peruana e a japonesa.
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