A sentença penal condenatória traz consigo duas
“cargas”: a condenação propriamente dita, que contém a resposta estatal
consistente na imposição de uma pena (seja privativa de liberdade [reclusão ou
detenção], seja restritiva de direitos [prestação de serviços à comunidade, por
exemplo], seja pecuniária [multa]), podendo, assim, ser visto como um efeito
principal ou primário, e outra carga, que é uma consequência da primeira,
importando na perda de um direito: em outras palavras, um efeito da condenação.
Em tempos anteriores, no Direito Penal brasileiro essa divisão era feita entre
penas principais e penas acessórias. A partir do ano de 1984, em que a Parte
Geral foi reformada, aquilo (nem tudo, óbvio) que era classificado como pena
acessória passou a ser um efeito da condenação.
Os
efeitos da condenação são divididos entre genéricos e específicos. Entre os
primeiros estão “a obrigação indenizar o dano causado pelo crime”, assim como
“a perda, em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de
boa-fé”, dos instrumentos e do produto do crime, conforme claramente dispõe o
artigo 91 do Código Penal. Entre os efeitos específicos estão a “perda de
cargo, função pública ou mandato eletivo”, de acordo com o disposto no artigo
92, inciso I, do mesmo código. Para que tal se dê é necessário que: a) a pena
aplicada seja privativa de liberdade (reclusão ou detenção) por tempo igual ou
superior a 1 ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever
para com a Administração Pública; b) a pena aplicada seja privativa de
liberdade por tempo superior a 4 anos (nos demais casos). Adverte o parágrafo
único deste artigo que “os efeitos de que trata este artigo não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença”. O Código Penal
não esclarece – e nem deveria – como se dá a perda do cargo.
Todo
o Brasil acompanhou o julgamento da Ação Penal 470 (alcunhada de “mensalão”) pelo
Supremo Tribunal Federal, em que parlamentares foram condenados (a penas altas,
diga-se) pela prática de crimes contra a Administração Pública e como declarado
(como exige a lei penal) efeito da condenação a perda do mandato eletivo.
O
tema “perda de mandato” em se tratando de senadores e deputados federais, que
têm prerrogativa de foro (e não, como de forma teimosa e ignorante a mídia
noticia: foro privilegiado) e são julgados pelo Supremo Tribunal Federal, tem
tratamento específico na Constituição da República Federativa do Brasil, mais
especificamente no Título IV – Da Organização dos Poderes, Capítulo I – Do
Poder Legislativo, Seção V – Dos Deputados e Senadores. O artigo 55 diz que
“perderá o mandato o Deputado ou Senador”, inciso VI: “que sofrer condenação
criminal em sentença transitada em julgado”. O parágrafo 2º desse artigo
esclarece que a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou
pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação
da respectiva mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,
assegurada a ampla defesa.
Tão
logo a notícia de que, como efeito da condenação, havia sido decretada a perda
do mandato eletivo dos quatro parlamentares, foi publicada, o então presidente
da Câmara dos Deputados, o metalúrgico (sim, metalúrgico) petista Marco Maia
apressou-se em declarar que a perda dos mandatos seria decidida pela casa
legislativa a que pertenciam os parlamentares, ou seja, a Câmara. Deixando de
lado que não é essa a primeira vez que um metalúrgico assume um cargo de
importância e nem assim deixa de dizer asneiras, à primeira vista pareceu uma
bravata, principalmente porque ele estava em fim de mandato.
Mas
o seu sucessor no cargo, Henrique Eduardo Alves, advogado, ainda quando estava
em campanha seguiu à risca o roteiro de seu antecessor, afirmando publicamente
que a decisão sobre a perda dos mandatos seria decidida pela casa legislativa.
Foi eleito e após visita que fez ao Presidente do Supremo Tribunal Federal – o
mesmo ministro, não esqueçamos, que foi o relator da Ação Penal 470 -, mudou o
discurso, afirmando que jamais a decisão condenatória será desobedecida.
Parece
que bateu um pouco de juízo. Porém, pelas poucas palavras que ele proferiu, não
se pode ter certeza de que ele não seguirá – e talvez não tenha mesmo como não
seguir – o preceito constitucional, ou seja, instaurando um processo para a perda
do mandato com decisão da maioria absoluta em voto secreto: essa maioria
absoluta e com voto secreto... Já se conhece esse "samba-enredo"... Ademais, noticiam os jornais de hoje que o PT
quer “abocanhar” vagas na Comissão de Ética da Câmara para dar parecer contrário
à perda dos mandatos.
Somente
o tempo responderá.
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