A encrenca que resultou
em processo criminal deu-se num clube de Campinas em que se realizava uma
promoção de duas faculdades. O chinês, que lá estava após “carteirar” o
porteiro, abordou uma moça, o seu namorado abespinhou-se, iniciou-se uma
discussão, um princípio de agressão; o chinês sacou a arma de fogo que portava
e ... Segundo a acusação, atirou contra a cabeça da vítima, mais
especificamente contra a sua testa. Essa versão foi dada pela vítima, pela sua
namorada e pelo seu amigo. Depois disso, o chinês saiu do clube e fez dois
disparos para o alto a fim de
desencorajar as pessoas que talvez o seguissem. O atirador foi
identificado e teve a prisão temporária decretada.
Outro advogado fora
contratado pela atuar; descontente com o andamento do processo, a família do
chinês procurou-me e, após ler os autos, resolvi assumir a sua defesa. Durante
a instrução, a vítima, sua (ex-) namorada e o amigo foram ouvidos em São Paulo,
onde moravam, em datas diversas, e todos disseram que o acusado havia atirado
contra a cabeça da vítima. Numa das vezes em que fomos a São Paulo para
participar da audiência, ocorreram alguns fatos no mínimo engraçados. O chinês
foi me buscar em casa num carro movido a álcool daquelas
primeiras eras, ou seja, daqueles que engasgavam a todo momento: parecia uma
relíquia, com uns 13 anos de uso. Na Rodovia Anhanguera, ao ultrapassar um
caminhão com carga excessiva, daquelas que vão arcando de um lado ao outro, ele
candidamente disse: “já fiz muitas perícias em acidentes em que a carga do caminhão desabou
sobre o carro que o ultrapassava". Detalhe: eu era o passageiro e quase vi a
carga desabando sobre mim. Ao sairmos do fórum da Barra Funda, o motor do
“bólido” não “pegava” e o chinês começou a mexer nos fios sob o painel, sem êxito. Como fazia muito calor, ele abriu o vidro do lado em que eu estava e, eureca: acionou.
Perguntei se a falha era por falta de ar...
Era impossível que o fato tivesse ocorrido como diziam aqueleas três pessoas – um disparo de arma de fogo na testa -, pois a vítima sobrevivera
e com um ferimento leve. A história começou a se modificar quando foi ouvido um
segurança que disse que conversara com a vítima após ela ser agredida e ela tinha
um ferimento superficial, que sangrava, na testa. Depois foi ouvido outro
segurança, que depôs no mesmo sentido. A luz se tornou mais forte para alterar
totalmente a história quando foi ouvido o policial militar que fez o
atendimento da ocorrência e afirmou ter dito à vítima que se ela tivesse
mesmo tomado um tiro na testa, não estaria viva para contar a história. Finalmente,
foi ouvido o perito médico que examinou a vítima no próprio dia dos fatos: ele
declarou que o ferimento que a vítima tinha sofrido não tinha sido provocado
por projétil de arma de fogo. “Eu teria escrito isso no laudo”, acrescentou.
Perguntei, então, se era compatível com um ferimento provocado por uma pancada
desferida com a coronha de arma de fogo. “Sim”, ele respondeu.
Pronto: estava montado o
cenário para que fosse o fato desclassificado para lesão corporal leve. E foi o
que ocorreu: o juiz desclassificou o fato para lesão corporal leve e, como era
necessária representação da vítima e não foi feita, operou-se a decadência,
extinguindo a punibilidade. Se esta extintiva não tivesse ocorrido, teria
acontecido outra: a prescrição.
(Extraído do livro "Casos de júri e outros casos", volume II, a ser publicado.)
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