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Mostrando postagens de abril, 2013

Mutação delituosa

            Há meses, mais precisamente no dia 29 de outubro do ano passado, postei aqui neste espaço um escrito chamado “espécies criminais em extinção” (copio o “link” abaixo), em que, de forma claramente saudosista (admito – talvez seja um dos efeitos da idade...), expunha várias espécies delituosas que estão praticamente sendo extintas. Todas praticadas sem violência a pessoa. Por exemplo, no estelionato, as suas várias formas de realização estão desaparecendo: “conto do bilhete premiado” (apesar do “cassino” oficial em que o Brasil se converteu com o advento das várias formas de loterias, todas feitas por meio eletrônico, esta modalidade ainda sobrevive, se bem que, creio, com vida artificial, entubada); o “conto da guitarra”: deste há décadas não ouço sequer falar – virou pó ou então está num museu; “conto do vigário”: em sua modalidade original, desapareceu (se bem que existem pastores que   estão substituindo os vigários com vantagem – e com tanta vantagem que já estão no ra

A cleptomaníaca (ou o furto da perna de cabrito)

            Uma colega de trabalho, Procuradora do Estado como eu, indagou-me se eu poderia defender uma pessoa cuja família ela conhecia; a defesa não seria feita como Procurador (atuávamos como defensores públicos, pois a Defensoria ainda não fora criada) e sim particularmente e, portanto, “pro-bono” – sem cobrar honorários.   A família da pessoa tinha condições de suportar uma cobrança de honorários advocatícios, porém certamente se recusaria a tal ônus principalmente porque a pessoa estava sendo acusada de furto simples tentado. Mais tarde descobri porque a família se recusaria a fazer tal gasto.             A acusaç o qu﷽﷽﷽﷽﷽﷽uradora do Estado como ão que pesava contra ela era de furto, uma subtração realizada num supermercado pequeno, desses de bairro, e o objeto subtraído era uma perna de cabrito. Tão logo deixou o estabelecimento comercial e alcançou a calçada, teve os passos interceptados pelos seguranças. Chamada a Polícia Militar, foi levada ao 4º

156 anos de reclusão - segunda parte

            No texto anterior, de forma muito superficial abordei o assunto “concurso de crimes” e agora vou desenvolvê-lo para um melhor entendimento do que escrevi.             O concurso – do verbo concorrer – existe sob duas formas: de pessoas e de crimes. O primeiro está disciplinado no artigo 29 do Código Penal: “quem de qualquer forma concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. É neste campo de estudo que está a teoria do domínio do fato, tão brilhantemente desenvolvida por Claus Roxin e que foi utilizada para condenar alguns do “núcleo politico” do “mensalão”(Ação Penal 470).             O outro tipo de concurso é o de crimes e existe sob três formas: material (ou real), formal (ou ideal) e crime continuado; eles estão disciplinado nos artigos 69, 70 e 71 do Código Penal. O mais comum é o material (artigo 69 do CP) e por ele todas as penas aplicadas aos crimes que uma pessoa praticou são somadas. Exemplo: uma pessoa comete u

156 anos de reclusão

              Depois de duas décadas, finalmente – para alguns -, realizou-se o primeiro dos julgamentos dos policiais militares que participaram da invasão na Casa de Detenção, resultando na condenação deles a penas altíssimas: 156 anos de reclusão, regime inicial fechado.             O surpreendente nesse julgamento foi os sete jurados, representando a sociedade de que fazem parte, não terem concordado com as mortes, embora estas se tenham dado no interior de um presídio e, assim, as vítimas serem todas “bandidos”, conforme a voz corrente. Os “juízes de fato” não se deixaram levar pela mídia torta que ignora o princípio da presunção de inocência, acolhido na Constituição, para quem uma simples suspeita torna a pessoa “bandido”, quando não chamada por outros nomes mais ofensivos.             Já abordei algumas vezes aqui o tema “cumprimento da pena”: conforme determina o artigo 75 do Código Penal, ninguém poderá ficar privado da liberdade por mais de 30 anos; caso a

O riso, o aplauso e o desacato

                            O desacato (ainda) é um crime contra a Administração Pública, classificado no Capítulo II do Título XI do Código Penal; está entre os crimes praticados por particular contra a Administração Pública. Ou seja: cometido por alguém que não é funcionário público contra alguém que é funcionário público. É discutida a possibilidade de um funcionário público praticar o delito contra outro funcionário, do superior hierárquico praticá-lo contra o subalterno e vice-versa, mas estas questões serão abordadas em outro momento.                         O crime está definido no artigo 331 do Código Penal e tem a seguinte dicção: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, com a pena de detenção, de 6 meses a 2 anos. É infração penal de menor potencial ofensivo, alcançada pela Lei 9.099/95. Para que seja configurado o delito é necessário, portanto, que o funcionário público – que é a face da Administração Pública – seja ofendido d

A soneca da jurada

                          Durante muitos anos atuei na Vara do Júri de Campinas na defesa de acusados que não podiam pagar advogados; pobres, nas palavras da lei. Embora fosse Procurador do Estado, atuava como defensor público, carreira inexistente então no estado de São Paulo. No começo, os julgamentos aconteciam durante os meses de março, junho, setembro e dezembro. Com o passar do tempo, passaram a ser realizados o ano inteiro.                         Os horários variavam: durante uma época, eles tinham início as 9 horas da manhã, com uma parada para o almoço; alguns avançavam no período noturno e então jantávamos. Nos tempos das “vacas gordas”, isto é, quando havia verba, as refeições eram fornecidas por um restaurante de prestígio. No tempo das “vacas magras”, as refeições foram substituídas por lanches. Quando as vacas emagreceram mais, os julgamentos passaram a ter início no período da tarde, 13 horas. Entremeando esses períodos, havia uma funcionária na Vara do J

Três penas de prisão perpétua

                Michael Devlin sequestrou duas crianças em cidades do estado do Missouri, EUA, e as manteve em seu poder por aproximadamente 5 anos. Ele morava num apartamento que mais parecia um pardieiro e ali foram encontradas as já não mais crianças. Durante o tempo em que ele as reteve em seu poder ele praticou sobre elas (ou com elas) atos sexuais.             Levado a julgamento, declarou-se culpado de todas as imputações, tendo sido condenado, segundo a enciclopédia interativa Wikipedia, a três penas de prisão perpétua. Presentemente ele as está cumprindo. Nos estados da América do Norte em que há prisão perpétua não é incomum que uma pessoa seja condenada a várias dessas penas e deve cumpri-las ou simultaneamente   ou consecutivamente.             O que está escrito acima pode soar bizarro: como uma pessoa poderia cumprir, por exemplo, duas penas de prisão perpétua consecutivamente? Deveria cumprir a primeira, desencarnar, reencarnar em si mesmo e cumprir a s

Furtos em lojas do Cambuí

                                                 Os – como se dizia antigamente – “amigos do alheio” - estão constantemente “migrando” de um artigo a outro do Código Penal. Talvez a (aparente) facilidade de amealhar dinheiro (e valores) seja o princípio motor que faz com que essas pessoas nunca se regenerem e essa ganância provoca a migração.                         Alguns exemplos ocorridos aqui “na terrinha”: no começo dos anos 2000 Campinas era a capital da extorsão mediante sequestro; depois (ou concomitantemente) vieram os “sequestros-relâmpago”; depois as falsas extorsões mediante sequestro; na sequência, os furtos em caixas eletrônicos, em que o larápios “derretiam” (esta era a gíria que eles usavam) o equipamento utilizando maçarico; com a repressão, passaram a explodir os equipamentos. Furtos e roubos de celulares, “saidinhas” de banco e tudo quanto a imaginação consegue criar.                         Moro no bairro Cambuí há quase 20 anos e na mesma rua e essas variaçõ

Metralhando do interior do Gol

              Eram dois irmãos e na irmandade praticavam crimes juntos. Estiveram durante um tempo presos. Num dos processos contra eles, a acusação era de homicídio qualificado tentado contra um Escrivão de Polícia que morava em Campinas, porém exercia as funções de seu cargo em outra cidade. Como eram dois réus, a PAJ assumiu, por mim, a defesa de um, nomeando, para o outro, um advogado do Convênio PGE/OAB-SP. Coincidentemente, a nomeação recaiu sobre a advogada Maria Helena Campos de Carvalho, quem eu conhecia de longa data – ela havia sido minha aluna e era minha colega no magistério universitário.             Ao ler os autos, pareceu-me inverossímil a descrição feita sobre o fato pela vítima: os dois réus, segundo ela, passaram defronte a sua casa dentro de um veículo Volkswagen Gol, um deles, o que estava no banco traseiro do carro, pôs o corpo para fora e metralhou a casa da vítima. Impossível: o automotor utilizado no crime era daquele modelo em que a

Dois presos e duas medidas

            Eles foram sujeitos ativos da mesma infração penal: um crime patrimonial violento, o roubo. Embora desarmados, ameaçaram a vítima de impor-lhe um mal grave, não especificado (ao estilo: se você não entregar o celular você vai ver...). Não tiveram: mal caminharam alguns passos foram interceptados pelos componentes de uma guarnição da Polícia Militar e, levados ao plantão policial, foram autuados em flagrante e encaminhados a um centro de detenção provisória.             Durante a instrução criminal, a família de um deles procurou o defensor dativo que atuava em seu prol e relatou ao profissional que aquele preso tinha “antecedentes” mentais: estivera, tempos atrás, internado um hospital psiquiátrico (anteriormente denominado “hospício”) pois tivera um "surto". Disgnosticado como esquizofrenico, permaneceu internado durante alguns dias, pois o surto que tivera fora controlado, e o médico que cuidou dele, ao lhe dar alta, prescreveu alguns medicamentos que ele d

O pai (totalmente) desconhecido

            Não importando a área de atuação, se civil, se criminal, todos os Procuradores do Estado classificados na Procuradoria de Assistência Judiciária cumpriam plantão de atendimento de público. Nos dias de “pico”, cada um de nós atendia trinta pessoas, quase todas trazendo um problema civil. Os mais ocorrentes eram referentes ao Direito de Família: alimentos (pensão alimentícia) e investigação de paternidade. Ouvíamos as histórias mais estapafúrdias, difíceis de crer. Uma delas é esta.             Atendi uma mulher que queria que fosse ajuizada uma ação de investigação de paternidade: ela tivera um filho e queria processar o autor da gravidez e, consequentemente, pai da criança. Indaguei quanto tempo tiveram relacionamento, se foram casados, moraram juntos e outras indagações, na mesma linha, que obrigatoriamente devíamos fazer ara analisar o cabimento da ação e as provas que seriam apresentadas em juízo. A resposta, sob a forma de um caso, quase me fez cair d