Era período das festas
juninas e uma delas estava ocorrendo numa casa num bairro que, naquela época,
era considerado afastado, mas que hoje não parece tão distante em face do grande
crescimento da cidade. A casa era modesta. Certamente as bebidas servidas eram
o tradicional “quentão” e, óbvio, cerveja, sem faltar a bebida brasileiríssima,
a pinga.
Houve uma discussão
entre dois convivas e um deles sacou um canivete, cuja lâmina alcançava alguns
centímetros (na minha infância, na cidade em que eu a passei, tal arma “branca”
era chamada de “pica-fumo”, pois era comum qualquer pessoa que fumasse portar
um desses para “picar” o fumo de corda e confeccionar um “picadão”), e desferiu
um golpe no abdôme do seu , ferindo-o sem gravidade. Foi apenas um golpe. O
Delegado de Polícia classificou o fato como lesão corporal, porém o Ministério
Público resolveu classifica-lo como homicídio (simples) tentado[1]. O
réu foi pronunciado e o julgamento designado. Não era um caso difícil: réu
primário, trabalhador, lesão sem
gravidade. Poderia ser requerida a desclassificação para lesão corporal.
Levando em conta todas essas circunstâncias, perguntei a um dos Estagiários se
ele gostaria de falar alguns minutos[2] e
a minha pergunta era mais motivada pelo seguinte fato: num júri anterior, esse
mesmo estagiário preparou-se para falar, mas quando o magistrado soou a
campainha e disse aquela tradicional frase “a defesa tem a palavra pelo tempo
regulamentar de 2 horas”, o estagiário petrificou-se: parecia tetraplégico,
somente conseguindo mover a cabeça para, balançando-a de um lado a outro, dizer
“não”, que não conseguiria falar.
Na segunda oportunidade,
esta da briga na festa junina, em sua
fala ele analisaria o laudo de exame de corpo de delito para mostrar que o
ferimento não fora grave. Gastaria, segundo ele, 30 minutos, para essa análise.
Chegou a sua vez. Ele apanhou o processo. Dirigiu-se aos jurados. Parou
defronte eles. Abriu os autos no local em que estava o laudo, Pôs-se a
analisa-lo. Depois de 15 minutos ele não tinha mais o que falar. Começou a
olhar para trás, em minha direção, como se pedisse socorro. Entendi o pedido.
Fui em sua direção. Agradeci a sua intervenção. Assumi a defesa.
Foi um enorme progresso: no
júri anterior não tinha conseguido falar
e neste falou, ainda que por somente por 15 minutos.
A tese de defesa foi
acolhida: o fato foi desclassificado para lesão corporal. E esse estagiário
depois prestou concurso para o Ministério Público, foi aprovado e não se
dedicou ao júri.
[Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", volume II, a ser publicado.]
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