Estas histórias eu vivi
não como profissional do Direito Penal, mas sim como mero cidadão que pretendia
prestar auxílio a quem necessitava: neles, certamente configuraria legítima
defesa de terceiro, um dos temas mais polêmicos em Direito Penal.
Era um domingo pela
manhã, horário em que muitas pessoas dirigiam-se à Igreja do Liceu Salesiano
Nossa Senhora Auxiliadora para participar da missa e eu estava andando de
bicicleta pelas ruas do bairro, pois morava muito próximo do Liceu, com os meus
filhos. Tive a minha atenção despertada pela atitude de dois rapazes que por
ali perambulavam, em, por assim dizer, “atitude suspeita”: é que eles não
moravam ali e estavam, pareceu-me, observando as casas. Numa das voltas,
deparei com um deles sentado na mureta (era outro tempo: as casas tinham muros
baixos) da casa que ficava na esquina das ruas Oswaldo Cruz e Cônego Nery; o
outro sumira. Logo imaginei que o que sumira estava dentro da casa vizinha
desta da esquina; rapidamente, fui para a minha casa, que distava poucos
metros, e ali procurei na lista telefônica (sim, ainda existia lista
telefônica) o número do telefone daquela casa. Encontrei-o. Disquei. Tocou,
tocou e ninguém atendeu: bingo! O ladrão deveria estar li recolhendo os objetos
que levaria.
Saí de casa. Defronte a
casa do vizinho dois amigos conversavam. Relatei a ambos. Propus a eles que
prendêssemos o que estava na mureta. Eles não concordaram. Sugeriram que eu
chamasse a Polícia Militar. Fiz isso. Enquanto a polícia não vinha, o que
estava dentro da casa surgiu carregando uma maleta, que, supus, e depois
confirmei, continha o produto da subtração. Dirigiram-se ambos à avenida Barão
de Itapura. Saí com o meu carro. Emparelhei com eles. Chamei-os de ladrões. Um
deles, o que não carregava a maleta, levantou a camisa e exibiu um revólver
enfiado no cós da calça. Abaixei-me no meu carro. Eles imaginaram que eu estava
armado e ia apanhar a arma. Correram, cada um em uma direção. O que carregava a
maleta atirou-a no jardim de uma casa. Apanhei a maleta. Abri-a. Continha
bijuterias, outras quinquilharias e, é de pasmar, duas latas de cerveja.
Geladas. Era o produto da rapina.
Voltei para a minha
casa. Só então chegaram os policiais. Desligaram o motor da viatura. Narrei o
fato e apontei a direção da fuga. Quiseram sair em perseguição. O motor da viatura
não “pegava”. Tive que ajudar a empurrá-la para que “pegasse no tranco”.
Saíram. Voltaram minutos depois com um suspeito. Não era um dos ladrões. Os
policiais encerraram as buscas.
O segundo episódio
ocorreu quase 30 anos depois. Eu já morava no Cambuí. Voltando da caminhada
matinal, não eram ainda 7 horas, defronte ao prédio em que moro fui abordado
por um adolescente que me disse ter sido roubado em seu celular. Apontou para
trás. Olhei. O ladrão estava na esquina da rua Coronel Quirino com a Américo
Brasiliense, olhando-nos. Gritei: “pare aí, ladrão”. Ele correu. Saí correndo
atrás dele. Ao chegar na esquina em que ele estava, olhei na Américo
Brasiliense: ele desaparecera. Para chegar até a rua Maria Monteiro somente
sendo um recordista dos 100 metros rasos. Desisti e depois pensei que talvez
tivesse se escondido no jardim de uma das poucas casas daquele quarteirão.
Como eu disse antes, o
que eu fiz foi agir em legítima defesa de terceiro, conduta que é permitida
pelo Código Penal, mas é deixada à escolha de quem pode agir assim: é que nem
na legítima defesa própria a pessoa é obrigada a agir, podendo optar em
“oferecer a outra face ao agressor”. Se a pessoa não está obrigada a repelir
agressão a direito seu, não pode ser obrigada a agir em defesa de terceiro: o
Estado não pode obrigar o particular a fazer o trabalho que lhe cabe, de
proteger os bens jurídicos.
Houve uma terceira
ocorrência do mesmo jaez. Eu estava indo ao meu escritório um sábado pela
manhã, por volta de 6 horas e 30 minutos, pela rua Antonio Cesarino a fim de
adentrar a pista externa da avenida Aquidabã. Ao alcançar esta via, vi que um
casal brigava no canteiro central da avenida e de repente saiu do meu campo de
visão. Quando adentrei a avenida, tornei a enxergar o casal e mais, vi que na
mesma via havia um carro parado e duas pessoas fora dele olhando a briga; havia
ainda um “marronzinho”. Inconformado com a cena, desci do meu carro e gritei
para pararem pois se não chamaria a policia. A “moça” olhou para mim e com voz
de pato donald, desafinada, disse: “ai, me ajuda que ele está me machucando”.
Não era uma moça e sim um travesti brigando com o seu namorado. E pelo que pude
observar, “ela” não estava levando a pior na contenda: quando menos, estava
empatada.
E hoje, quase 30 anos após o primeiro fato, e talvez por
conta da idade, chego à conclusão que aqueles dois amigos estavam certos, pois
expus a minha segurança a risco a fim de proteger o patrimônio de terceiras
pessoas, patrimônio este composto de quinquilharias que configurariam o
princípio da insignificância. No segundo episódio não me expus, mas fiquei
imaginando: se aquele ladrão resolvesse enfrentar-me o que poderia ter
ocorrido. No terceiro, fiquei imaginando me metendo numa briga, com
a possibilidade de ser agredido, virar manchete de jornal e talvez ter de
explicar que não, eu não estava interessado na briga e sim apenas auxiliando
uma pessoa.
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