O
nome (título) do crime, chamado pelos juspenalistas de “nomen juris”, é um
importante elemento na interpretação da lei penal: ele geralmente vem numa
rubrica lateral ou acima da descrição típica e auxilia grandemente a entender e
delimitar o exato alcance do tipo. Por exemplo, acima da descrição contida no
artigo 289 está escrito “moeda falsa”- este é o nome desse delito contra a Fé
Pública. Há alguns artigos do Código Penal em que, talvez por descuido de quem
redigiu o projeto (Alcântara Machado) ou pelos membros da comissão (Hungria,
Lyra, Queiroz e Braga) que o reviu, que não têm nome. Exemplos: o artigo 343,
que é uma modalidade de corrupção passiva “especial”, já que é dirigida a funcionários públicos
específicos (testemunha, perito, contador etc.).
O
crime – entenda-se Direito Penal – há muito tempo tornou-se o assunto de mais
destaque da mídia. Para comprovar esse fato, basta ligar a televisão em
qualquer emissora e assistir ao principal telejornal, o veiculado em horário
nobre: as principais manchetes referem-se a crimes. Sem contar que existem
programas, sensacionalistas até a medula, cuja matéria-prima é o crime.
Isso
tem alguma utilidade, descontada a parcela de sensacionalismo que acaba
representando um julgamento – e a consequente condenação – do (simples)
suspeito. A utilidade reside no fato de que uma das finalidades da pena – a
prevenção geral – precisa ser atingida e nada melhor do que a mídia para fazer
esse trabalho. É necessário que os, por assim dizer, “potenciais” criminosos
sejam desestimulados da (possível) prática de delitos e nada melhor do que
informa-los da punição dos que cometeram delitos.
Mas
a mídia tem o mau hábito de inventar nomes para crimes e, de tanto repeti-los,
caem no gosto popular. Um dos exemplos bem da atualidade: o crime previsto no
artigo 288 do Código Penal chama-se “quadrilha ou bando”, cujo teor é este:
“associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de
cometer crimes”. O verbo do tipo, como
os sujeitos devem ser (no mínimo) quatro, está no plural e é “associar-se”.
Pois a mídia modificou o nome do delito, chamando-o de “formação de quadrilha”:
não há, no tipo, o verbo “formar”.
Outro
delito a que a mídia deu um nome diferente daquele que consta no Código Penal é
o homicídio, infinitas vezes chamado de “assassinato”. Sim, é certo que em
outros países existe, além do crime de homicídio, o de assassinato: é que
nesses Estados o que para nós é o homicídio “qualificado”, para eles é o
“assassinato”, e o que é para nós homicídio simples para eles é homicídio.
O
mais comezinho dos equívocos é que se refere ao furto e roubo: nesta, há o
emprego de violência ou grave ameaça a pessoa para que se possa realizar a
subtração, ao passo que naquele não: a subtração da coisa (alheia móvel) se dá
“pacificamente”, ou seja, sem que haja o emprego de violência ou grave ameaça a
pessoa.
O
mais grave equívoco de todos é o que se refere a pedofilia: não existe nenhum
crime no Código Penal, nem nas leis extravagantes (no sentido técnico – vagando
fora da espécie, ou seja, fora do local em que deveriam estar, que é o Código
Penal) que tenha esse nome. Mas a mídia inventou-o e todas as ações delituosas
que envolvam sexo e criança ou adolescente são estampadas nos jornais como
“pedofilia”. Dentro desta mistura, criança ou adolescente e sexo, a mídia
inventou outros crimes, como, por exemplo, o “abuso sexual” (creio que este
nome é utilizado inconscientemente como sinônimo de “estupro de vulnerável”).
A
mídia é tão poderosa nessa tarefa de inventar e deturpar nomes de crimes que já
conseguiu que, numa alteração legislativa ocorrida no Código Penal no ano de
1995, o nome do delito acabou sendo modificado: aquilo que se chamava
“exploração de prestígio” passou a se chamar “tráfico de influência”, nome empregado
pela mídia para noticiar aquele delito. Tal qual faz hoje com o crime de
quadrilha ou bando, chamando-o de “formação de quadrilha”.
A imprensa, agora abolida, foi um dos piores males do homem, já que tendeu a multiplicar até a vertigem textos desnecessários - Jorge Luis Borges, O livro de areia.
A imprensa, agora abolida, foi um dos piores males do homem, já que tendeu a multiplicar até a vertigem textos desnecessários - Jorge Luis Borges, O livro de areia.
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