O
Código Penal continha originalmente duas formas do crime de exploração de
prestígio, ambas descritas no Título XI da Parte Especial (“crimes contra a
Administração Pública”), porém em capítulos diferentes. A primeira modalidade
estava no capítulo II desse Título (“crimes praticados por Particular contra a
Administração Pública”), mais precisamente no artigo 332, cujo teor era o
seguinte: “obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a
pretexto de influir em funcionário público no exercício de função”; a pena era
de reclusão, de 1 a 5 anos, mais multa. E o parágrafo único era assim: a pena é
aumentada de 1/3 se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada
ao funcionário público”.
A
outra forma estava descrita no capítulo III (“crimes contra a Administração da
Justiça”) do mesmo Título XI; seu
conteúdo estava no artigo 357, com a seguinte descrição típica: “solicitar ou
receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz,
jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de Justiça, perito, tradutor,
intérprete ou testemunha”; a pena cominada era de reclusão, de 1 a 5 anos, mais
multa. Havia também aumento de pena.
Comentando
o artigo em questão, Nélson Hungria esclarece que o nome desse delito na antiga
Roma (de onde herdamos vários institutos jurídicos, tanto de Direito Penal,
quanto de Direito Civil [Carrara dizia que os romanos foram gigantes em Direito
Civil e pigmeus em Direito Penal; porém, a influencia deles na formação do
Direito Penal brasileiro é clara, a começar pelos nomes dos crimes:
estelionato, de stellio, stelliones; homicídio, de hominis occidium ou hominis excidium]), era “venditio fumi” – em vernáculo, venda de
fumaça - porque o imperador Alexandre Severo soube que um tal Vetrônio,
frequentador da corte, recebia dinheiro a pretexto de influir nas suas
decisões, o que era mentira, e “fê-lo padecer o suplício de ser colocado sobre
uma fogueira de palha úmida e lenha verde, vindo ele a morrer sufocado pela
fumaça, enquanto o pregoeiro oficial advertia em altos brados: fumo punitur qui
fumo vendidit”.
Porém,
uma lei de 16 de novembro de 1995, de número 9.127, mudou o teor do artigo e o
seu “nomen juris”, passando a ser o conteúdo do tipo este: “solicitar, exigir,
cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da
função”; a pena foi aumentada: 2 a 5 anos de reclusão. O parágrafo único também
foi alterado: o aumento de pena passou a ser de metade. O nome também foi
alterado: tráfico de influência. Este era a expressão que a mídia empregava ao
se referir à conduta daquele que dizia ser capaz de influir na decisão do
funcionário público e, com isso, obtinha alguma vantagem. Essa nova lei não
alterou a modalidade de delito contra a Administração da Justiça, que, assim,
permaneceu com a mesma redação. Simbolicamente, significando que os poderes Executivo e Legislativo eram mais alvos dos "vendedores de fumaça".
Como
se percebe, o crime descrito no artigo 332 prevê a conduta daquele que pretexta
(poder) influir na decisão de funcionário público e para tanto solicita ou
cobra – para ficar com apenas dois verbos do tipo – vantagem ou promessa de
vantagem. Obviamente, pode se tratar de, digamos, uma modalidade de
estelionato: ele sequer conhece o funcionário mas apregoa ter poder suficiente
para influir em sua decisão, tal qual Vetrônio, e com isso obtém vantagem.
Será
que tal atividade poderia ser chamada, em tempos atuais, de “lobby”? Em vez da
nomenclatura latina – venditio fumi -, uma inglesa?
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