Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de agosto, 2013

A espada do samurai

                                      Ele era garoto de programa ("lover boy"), embora negasse tal condição. Pesava sobre si acusação de haver matado um homem com quem tinha ido morar numa casa no bairro Cambuí.                         O fato aconteceu assim: casado havia tempo e com filhos, tendo um bom emprego numa universidade pública, a vítima separou-se de sua mulher e assumiu a sua homossexualidade. Conheceu esse garoto de programa e levou-o para morar com ele. Desentenderam-se (esta é a versão do acusado) numa noite de sexta-feira e foram à agressão; atracaram-se. A vítima atirou-lhe um cinzeiro. O acusado apanhou uma espada que enfeitava uma das paredes da sala e com ela desferiu diversos golpes na vítima, matando-a. Deixou o local. Esqueceu de apagar a luz da área externa da cozinha.                         No sábado pela manhã, uma vizinha viu a luz acesa e pensou que fora um simples esquecimento. No domingo a luz permanecia acesa. Olhando por sobre o muro, v

Lewandowski, o tempo e o julgamento do "mensalão"

                                    “O tempo é uma duração pura” – este é um conceito do filósofo francês de origem judia Henri Bergson, e acrescenta Miguel Reale, em sua obra “Filosofia do Direito”, que nós o “especializamos”, criando os anos, meses, dias e horas.             O tempo tem uma importância muito grande no Direito Penal, seja, nos países em que não existe a pena de morte, para tirar dos condenados uma parte do tempo de suas vidas, seja para marcar por quanto tempo pode o Estado exercer o “jus puniendi”. Como dito, nos países em que não existem as penas corporais (morte e castigos físicos, tais como açoites e mutilações), a pena fundamentalmente se constitui nas privativas de liberdade, em que esta é tirada do condenado perpétua ou temporariamente.             O tempo – ou o seu decurso, melhor dizendo – é um tenaz inimigo do exercício do “jus puniendi” (poder-dever de punir), sob vários aspectos. O primeiro deles diz com as causas de extinção da punibilida

O duplo homicídio e o inocente

                          No bairro Vila Nogueira – mais especificamente, entre a Vila Nogueira e o Jardim Santana – dois jovens irmãos foram mortos por vários disparos de arma de fogo; um deles era deficiente e utilizava, para deslocar-se, um triciclo motorizado.                         Não somente o distrito policial do bairro, como o Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa da Delegacia Seccional de Polícia, investigaram o duplo homicídio, inclusive com violação – autorizada – do sigilo telefônico de um suspeito e não se conseguiu determinar a autoria. Uma tênue variante investigativa apontava que havia uma dívida entre os dois irmãos e um pós-adolescente – rapaz de 19 anos – daquele bairro sobre a venda de um carrinho de cachorro-quente. A autoridade policial, depois de muito investigar, preferiu não indiciar ninguém: relatou o inquérito, requerendo o arquivamento dos autos por ter permanecido a autoria desconhecida.                         O juiz da Vara do Júri enc

Hanna

              Hanna Arendt viveu uma vida digna de ser filmada e foi isso o que aconteceu: está em exibição em algumas poucas salas – em Campinas, somente em uma – o filme “Hanna”, que retrata nas telas uma parte da vida dessa filósofa.             Assim como o filme “Hitchcock” registra apenas uma parte da vida desse grande diretor inglês – a criação do filme “Psicose”-, em “Hanna” a abordagem centra-se   basicamente   na cobertura que fez do julgamento de Adolf Eichmann, o arquiteto da “Solução final”, em Jerusalém, o artigo que escreveu para a revista The New Yorker e a reação histérica que a publicação produziu.             O início do filme se dá com o sequestro de Eichmann na Argentina (embora isso não fique muito claro ao espectador que não conhece a história); quando Israel decide que o julgará, Hanna oferece-se à revista The New Yorker para jornalisticamente cobrir o evento. Na direção da revista, há resistência a sua contratação, mas ela é aceita.          

O Código Penal e as Ordenações do Reino

              As leis de Portugal eram chamadas de “ordenações ” e levavam o nome do imperador e uma delas, as Filipinas, tiveram aplicação durante muito tempo no Brasil: de 1603 até, no que se refere ao aspecto penal,1830, ano do Código Criminal do Império.             Retratando fielmente a época em que foram redigidas, elas tinham uma linguagem (para nós, hoje) confusa; a técnica legislativa era bem diferente da dos tempos atuais. Faziam diferença entre homens e mulheres e entre as pessoas entre si e cada, por assim dizer, artigo procurava descrever caso por caso, o que levou a classifica-las de “casuístas” ou “casuísticas”. Por exemplo: o Título XLIII do Livro V (era o que definia os crimes e cominava as penas) das Ordenações Filipinas tinha a denominação de “dos que fazem desafio” e a descrição era esta: “defendemos que pessoa alguma, de qualquer condição que seja, assi nosso natural, como estrangeiro, postoque que seja Official de armas, não seja tão ousado, que em

A morte do nadador

                        Ele era um nadador famoso; havia batido um recorde sul-americano ou brasileiro, não lembro ao certo, de natação; era um autêntico esportista. Depois, abandonando o esporte, tornou-se, segundo ele mesmo afirmava, treinador de cavalos. E, pior, enveredou para o caminho quase sempre sem volta das drogas, mais especificamente a cocaína. Inicialmente como usuário; depois, como traficante.                         Certo dia desapareceu. A família, incontinenti, foi ao distrito policial da cidade em que moravam e registrou a ocorrência. Tempos depois, foi achado nas proximidades da cidade de Sumaré, num matagal, um corpo em adiantadíssimo estado de putrefação, com os braços amarrados com fios. Pelas roupas do cadáver – elas ainda estavam em razoável estado de conservação, bem como eram de marcas famosas – e principalmente pelos músculos da perna, que demonstravam ter sido aquela pessoa um nadador, foi identificado como sendo aquele desaparecido. A Odo

Mortes no trânsito

              Uma revista semanal de informação trouxe como matéria de capa um assunto com o seguinte título: “assassinos ao volante”; o subtítulo era “as mortes no trânsito já superam os crimes de homicídio”. A titulação em si é uma rematada tolice, pois as mortes no trânsito são quase sempre penalmente tratadas como crimes de homicídio, doloso ou culposo. O Conselheiro Acácio não conseguiria superar a tolice.             No primeiro semestre, veio à luz um livro chamado “Leitura complementar de direito”, ao qual contribuí com um dos capítulos, denominado “Morte no trânsito e dolo eventual”, no qual procurei analisar esse, por assim dizer, “novo” entendimento dos órgãos encarregados da aplicação da lei penal, tipificando como doloso, com dolo eventual, muitas mortes ocorridas em acidentes no trânsito. Bastava que o motorista estivesse embriagado, ou em excesso de velocidade ou desrespeitasse o semáforo vermelho, ou duas combinadas, ou as três, ou somente uma, para simpl

A violência sexual e a assistência à vítima

            Foi sancionada no dia 1° de agosto de 2013 a lei nº 12.485, cuja ementa é a seguinte: “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual”. Lê-se, no artigo 2º, que “considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida”. A mais grave – e, desgraçadamente, a que mais ocorre – forma de atividade sexual não consentida é o estupro, que, desde a minirreforma realizada no Código Penal no ano de 2009, passou a permitir que sujeito passivo seja tanto o homem quanto a mulher.             A simples possibilidade, quiçá probabilidade, que afinal se converteu em realidade, de que a lei fosse sancionada mobilizou campanhas, especialmente nas “redes sociais”(leia-se Facebook), em que se afirmava que a partir dela seria liberado o aborto. Nunca eu tinha lido tolice de tal magnitude, própria de quem “ouviu cantar o galo, mas não sabe onde”, conforme o vetusto adágio popular.