Pular para o conteúdo principal

Mortes no trânsito


 
            Uma revista semanal de informação trouxe como matéria de capa um assunto com o seguinte título: “assassinos ao volante”; o subtítulo era “as mortes no trânsito já superam os crimes de homicídio”. A titulação em si é uma rematada tolice, pois as mortes no trânsito são quase sempre penalmente tratadas como crimes de homicídio, doloso ou culposo. O Conselheiro Acácio não conseguiria superar a tolice.
            No primeiro semestre, veio à luz um livro chamado “Leitura complementar de direito”, ao qual contribuí com um dos capítulos, denominado “Morte no trânsito e dolo eventual”, no qual procurei analisar esse, por assim dizer, “novo” entendimento dos órgãos encarregados da aplicação da lei penal, tipificando como doloso, com dolo eventual, muitas mortes ocorridas em acidentes no trânsito. Bastava que o motorista estivesse embriagado, ou em excesso de velocidade ou desrespeitasse o semáforo vermelho, ou duas combinadas, ou as três, ou somente uma, para simploriamente afirmar-se que ele agiu com dolo eventual.
            Sobre o assunto, ainda há que ser dito o seguinte: há algum tempo, o presidente da Federação das Autoescolas (em tucanês: “centro de formação de condutores”), afirmou, em entrevista, que o brasileiro procura uma autoescola apenas para obter a carteira nacional de habilitação, mas não para aprender a dirigir. Verdade rigorosa: basta observar o fluir do trânsito para constatar que o brasileiro não conhece nada (ou quase nada) do Código Nacional de Trânsito. Exemplos: a) faixa de travessia de pedestres: o motorista, se não houver semáforo, é obrigado a dar passagem ao pedestre, ou seja, imobilizar o veículo para que o pedestre cruze a via – poucos fazem isso; b) atirar objetos pela janela – não por questão de limpeza, mas pelo perigo que provoca – poucos respeitam esta proibição; c) estacionar em local proibido – incontáveis infrações diárias.
            A expressão “tucana” Centro de Formação de Condutores é muito significativa, principalmente para os que militam na área jurídica, em especial penal, aos quais a palavra “conduta” é muito cara, pois esta, que se divide em ação e omissão, é, para lembrar o saudoso José Henrique Pierangeli, “a espinha dorsal do crime”. A propósito, seria bom recordar as palavras de Miguel  Reale acerca da conduta, mas isso será feito em outra oportunidade. Tais centros deveriam em tese formar pessoas que soubessem se conduzir ao volante de um veículo e não conduzir um veículo: não aprendem nem um, nem outro.
            O segundo aspecto diz respeito à importância que se dá ao veículo: hoje, mais do que a casa própria, ele representa um alto grau de “status” (hoje não: segundo Assis Chateaubriand, desde a década de 60), e “pilotando” um possante a pessoa se sente um semideus.
            Em terceiro lugar, a associação que o brasileiro faz entre diversão e álcool: a diversão somente será completa se houver muito consumo de álcool; lembro quando os jovens antes de saírem de casa para a “balada” faziam (fazem ainda) um “aquecimento” na casa de um deles, chegando no evento já “altos”. Ou quase.
            Enquanto não forem rompidos esses paradigmas, o que é uma questão de educação, pouco ou nada adiantarão bloqueios de bafômetro e outras providências assemelhadas, que atingem apenas um dos lados do problema, o da repressão à condução de veículo em estado etílico: afinal, o poder público não pode estar (como sonham muitos) em todos os lugares ao mesmo tempo, zelando pela segurança de todos.
            Cada qual deve respeitar o que lhe cabe no contrato social e assim as coisas terão um final melhor.


           

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante