As
votações dos jurados são secretas (a sala onde elas se realizam tem o icástico nome de "sala secreta") e todo o cuidado é tomado para que nunca se
saiba qual jurado absolveu, qual jurado condenou. É óbvio que se a condenação –
ou a absolvição – se der por unanimidade, sabe-se imediatamente como votou cada
jurado. Quando foi promulgada a Constituição de 1988, em razão de dispositivo
afirmar que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”,
houve quem entendesse que estava extinta a figura da sala secreta, local em que
se realizam as votações no Tribunal do Júri. A idéia, porém, não floresceu.
Quando
dois senadores da república – um deles ocupava a presidência dessa casa
legislativa – foram obrigados a renunciar senão seriam processados por violação
do decoro parlamentar por terem violado o sigilo numa das votações –
coincidentemente, que decidia sobre a cassação do mandato de outro senador – no
Tribunal do Júri da comarca de Campinas ocorreu situação semelhante: a violação
do sigilo da votação.
Dois
réus estavam sendo processados sob a acusação da prática de um homicídio
qualificado e a vítima era um menor de idade; havia um componente de
entorpecente envolvido no delito. Os dois réus coincidentemente se chamavam
Paulo: um era primário e de bons antecedentes, ao passo que o outro havia se
envolvido em outros delitos após o homicídio e na época de seu julgamento estava
preso em Bauru, acusado da prática de roubo com emprego de arma contra um
supermercado; tendo a AJ assumido a defesa de um deles, a sua irmã esteve ali
para informar que o Paulo de bons antecedentes havia sido julgado – o processo
fora desmembrado – dois meses antes e fora absolvido. Imediatamente, fui ao
cartório da Vara do Júri para ler o processo: o co-réu fora mesmo absolvido e
por unanimidade (sete votos a zero). Uma contagem dessas é significativa de que
o Ministério Público pode ter requerido a absolvição do acusado; mas isso não é
absoluto. Li a ata: o Promotor de Justiça pugnara pela condenação do acusado.
Fora fragorosamente derrotado. Providenciei cópia de tudo que se referia àquele
julgamento – algo em torno de 40 páginas – e requeri a juntada do calhamaço aos
autos desmembrados, referentes ao Paulo que eu iria defender.
No
dia do julgamento em plenário, o Promotor de Justiça, quando estava encerrando
a sua fala, em que pedira a condenação do réu, disse aos sete jurados: “os
senhores verão que a defesa vai dizer que o co-réu foi absolvido e por
unanimidade; mas eu vou relatar algo para os senhores: os jurados me contaram
que absolveram o co-réu por ele ser primário”. Incontinenti, requeri que tal
afirmativa, absurda sob todos os aspectos, ficasse constando na ata, pedido
prontamente deferido pelo magistrado que presidia o julgamento.
Indo
à sala secreta, os jurados condenaram Paulo; interpus recurso de apelação,
requerendo, em matéria preliminar, que o julgamento fosse anulado em virtude da
conduta, além de tudo, anti-ética do membro do Ministério Público, e o Tribunal
de Justiça, por votação unânime, deu provimento ao pedido, anulando o
julgamento e determinando que o réu fosse novamente julgado.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", Editora Millnennium.)
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", Editora Millnennium.)
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