Desde tempos imemoriais discute-se quais são as finalidades da pena. Pune-se porque pecou – “punitur quia peccatum est”; pune-se para que não peque – “punitur ne peccetur”; e pune-se porque pecou e para que não peque – “punitur quia peccatum est et ne peccetur”. Alguns, na discussão do tema, buscam fundamentos em Platão, Sêneca, passando por Kant, Hegel, Jeremy Bentham, Roxin e outros. Pela teoria absoluta – Kant, Hegel – a pena (punição) é um fim em si mesma: pune-se porque pecou. Para a teoria relativa – Bentham – a pena deve ter uma finalidade e, então, pune-se para que não peque (mais). Para que não peque (mais), em outras palavras, significa dizer que a pessoa que delinquiu é punida para que não retorne à prática delituosa. Desnuda-se aqui a finalidade preventiva da pena, mas uma prevenção que deve ser entendida nos seguintes termos: previne-se a prática de outras infrações penais. A prevenção tem duas faces: a especial e a geral. A especial atinge-se quando se atua contra o criminoso, punindo-o, reeducando-o e desestimulando nele a vontade de praticar outros delitos. A geral atua sobre os demais cidadãos também desestimulando-os da prática de crimes.
No
Brasil, o artigo 59 do Código Penal (lembremos que a Parte Geral é de 1984)
estabelece que o juiz fixará a pena conforme seja “necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime”, o que vale dizer, a legislação penal adotou
uma teoria mista quanto aos fins da pena: além de reprovar, quer prevenir, seja
a prevenção especial, seja a prevenção geral. Esta começa a atuar pela simples
existência da lei, pois ela comina (ameaça) com pena quem praticar a conduta
descrita no tipo.
O
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mais rumoroso processo a que lhe foi
submetido, inovou em alguns aspectos (alguns já apontei em textos anteriores),
como, por exemplo, destruindo o mito da pena mínima; outro bom exemplo foi
aplicar na prática a teoria tão bem desenvolvida por Claus Roxin sobre o domínio
do fato. Outro ponto em que a mais alta corte inovou – mas isto não se deve
somente a ela – foi condenar “peixes graúdos” e não somente a “arraia miúda”
(para usar a expressão de Nélson Hungria). Outro aspecto em que o tribunal
supremo inovou foi no “fatiamento” do acórdão, de forma que as penas impostas
em condenações contra as quais não cabia (nenhum) recurso devem ser
imediatamente cumpridas, independentemente do trânsito em julgado total do
acórdão.
Essa
ação penal, que tomou o número 470, tramitou durante seis (para alguns, longos;
para outros, intermináveis) e ao longo desse tempo a prevenção geral não
funcionou pois muitos funcionários públicos continuaram a praticar um crime que
é um verdadeiro cupim para a Administração Pública: a corrupção passiva. Durante
o curso do processo, auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo “paparam”
algo em torno de 500 milhões de reais e aqui na “terrinha” descobriu-se em
“esquema” na Câmara Municipal que desviou a reles quantia de 12 milhões de
reais. Estes fatos são a “ponta do iceberg”, pois, em matéria de corrupção, a
“cifra negra” ou “campo escuro” é muito grande: geralmente o corruptor não quer
que o corrupto seja punido, pois a sua ação delituosa o beneficia e assim não
há punição. Exemplo: as construtoras que propinavam os auditores da
municipalidade paulistana também se beneficiavam.
O
que se pode concluir é que não basta a ameaça da pena, nem a sua efetivação: o
que falta principalmente é educação às pessoas que podem se sentir tentadas ao
ver as facilidades de enriquecer. Não adiantam, como pensa parte do populacho,
leis mais duras: na base de tudo está a falta de respeito às instituições, e
esse respeito somente é obtido mediante educação.
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