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Formação de quadrilha




  
    Já, neste pequeno espaço onde veiculo algumas ideias e decepções, postei textos verberando o mau hábito da mídia em geral de colocar novos nomes em crimes que existem no Código Penal às vezes há mais de meio século (sim, porque a Parte Especial é de 1940, tendo entrado em vigor a 1° de janeiro de 1942). Esse mau hábito recai também sobre os delitos descritos em leis extravagantes (especiais).
      Alguns exemplos podem ser referidos. Não existe no Brasil, por mais incrível que possa parecer, um delito chamado “pedofilia” – trata-se de uma pura invenção da mídia. Por esse crime talvez os jornalistas (dizia Borges que “o jornalista escreve para o esquecimento”) queiram referir-se a algumas condutas previstas na Lei n° 8.069/90, apelidada de Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou talvez ao estupro de vulnerável, já que um dos casos de vulnerabilidade é a idade da vítima – menor de 14 anos. Ou talvez às duas situações.
      Na década de 90, mais precisamente no ano de 1995, de tanto a mídia referir-se ao delito (contra a Administração Pública) de exploração de prestígio como sendo tráfico de influência, numa reforma havida aproveitou-se para alterar o nome do crime, que passou a se chamar “tráfico de influência”.
      E nos tempos presentes a mídia vinha se referindo ao crime de quadrilha ou bando, descrito no artigo 288, com o nome de “formação de quadrilha”. Inicialmente, deve ser esclarecido que em toda descrição delituosa há um verbo, pois ela nada mais é do que a descrição de um comportamento humano e, obviamente, o verbo descreve uma ação. Além disso, na maioria dos delitos, sejam os descritos no Código Penal, sejam os descritos em leis especiais, há uma rubrica sobre o tipo descritivo que encerra o nome do crime. Sobre o artigo 121 está a rubrica “homicídio”; sobre o artigo 155 está a rubrica “furto”. Pois acima do artigo 288 estava escrito “quadrilha ou bando” e texto legal era este: “associarem-se mais de 3 (três) pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”; a pena prevista era de reclusão, de 1 a 3 anos. O verbo desse tipo, portanto, é “associar-se”, nunca formar. Alguns doutrinadores brasileiros procuravam enxergar diferenças entre a quadrilha e o bando, chegando um a afirmar que a ideia de bando tinha uma conotação rural, ou seja, as pessoas que se associavam cometiam crimes fora das cidades; na época em que o Código Penal entrou em vigor, um crime muito comum que ocorria na área rural era o furto ou roubo de gado (“abigeato”).
      Por uma lei recente, deste ano, mais especificamente do dia 2 de agosto de 2013, e que tem o número 12.850, alterou o artigo 288, que passou a exigir um número menor de pessoas à configuração do crime (em vez de quatro, três); o texto legal passou a ter a seguinte redação: “associarem-se 3 (três) ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes”; a pena ficou inalterada. Porém, como outra novidade, o nome do crime passou a ser “associação criminosa” e não mais quadrilha ou bando. É que a lei que promoveu a modificação foi aprovada para definir a conduta e cominar as penas daquilo que é organização criminosa. Esta entidade delituosa recém-criada necessita à sua configuração quatro ou mais pessoas, ao passo que para a existência de quadrilha ou bando – agora chamada de associação criminosa – basta a existência de três.
      Não mais existe quadrilha (ou bando), mas isto pouco importa à mídia: ela continuará a referir-se a esse crime como “formação de quadrilha”.


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