O
julgamento da ação penal 470 – “mensalão”- pelo STF trouxe às conversas do
cotidiano alguns temas até então restritos aos aplicadores do Direito (a poucos
aplicadores, diga-se), tais como a teoria do domínio do fato, desenvolvida por
Roxin, os embargos infringentes, e, sem dúvida, o regime semiaberto, imposto a
alguns dos “mensaleiros”. No Brasil deixou, há tempos, de ter aplicação o
ditado popular “de médico e louco todos temos um pouco”; agora, existe outro:
“de jurista e louco todos temos um pouco”. Aquele outro, “o Brasil é um país de
100 milhões de técnicos de futebol”, também foi revogado: agora são milhões de penalistas,
muitos deles trabalhando na mídia.
Quando
se fala em regime semiaberto, está se falando em regime de cumprimento de pena
privativa de liberdade, dos quais ele é uma espécie, sendo as outras o fechado
e o aberto. Os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade (que no
Brasil são a reclusão e a detenção [para os crimes; há a pena de prisão simples
cominada às contravenções penais]) foram introduzidos no Direito Penal pela nova Parte Geral (lei nº 7.209, de 11 de
julho 1984) e pela lei de execução penal (nº 7.210, da mesma data) – ambas
entraram em vigor seis meses após.
No
estado de São Paulo havia, na década de 60, sido criada a prisão albergue por
provimento (nº XXV) do Conselho Superior da Magistratura, vindo, depois a
constar da lei estadual (paulista) nº 1.819, de 1978.
A
(nova) Parte Geral estabeleceu no artigo 33 que “a pena de reclusão deve ser
cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime
semiaberto, ou aberto, salvo a necessidade de transferência a regime
fechado”. Pena imposta não superior a 4
anos e condenado não reincidente poderá ser cumprida em regime aberto (prisão
albergue); condenado não reincidente com pena superior a 4 anos e não superior
a 8 poderá ser cumprida em regime semiaberto (colônia penal agrícola,
industrial ou estabelecimento similar). Condenado a pena superior a 8 anos
deverá cumpri-la inicialmente em regime fechado (penitenciária de segurança
média ou máxima). Ao proferir a sentença condenatória, o juiz deve fixar o
regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (artigo 59, inciso
III).
Como
se viu, condenados a pena privativa de liberdade acima de 4 anos e não superior
a 8 poderão ter o cumprimento inicial no regime semiaberto, que é cumprida em
colônia penal agrícola, industrial ou similar. O artigo 34 do Código Penal, que
tem como rubrica em negrito “regras do regime semiaberto”, estabelece que “o
condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia
agrícola, industrial ou estabelecimento similar” (parágrafo 1º). “O trabalho externo é admissível, bem como a
frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução , de instrução
de segundo superior ou superior”, é a redação do parágrafo 2º. Já a lei de
execução penal dedica três artigos ao regime semiaberto e o 91 tem a seguinte
redação: “a colônia agrícola, industrial ou similar destina-se ao cumprimento
da pena em regime semiaberto”.
A
legislação penal prevê, então, que na sentença condenatória deve o juiz fixar o
regime inicial de cumprimento de pena e se for o semiaberto, deverá ser
cumprido (executado) em colônia penal agrícola, industrial ou similar. Como não
há tantos estabelecimentos penais dessa espécie no Brasil e a lei permite o
trabalho externo, é possível que o condenado possa trabalhar fora do local em
que cumpre a pena, sob discreta vigilância. Além disso, é necessário que o ele tenha cumprido pelo menos um sexto da pena.
Campinas
tem um bom exemplo de trabalho externo de presos em regime semiaberto: aquela
legião de “calças bege” (da música "Diário de um detento", dos Racionais MCs, que fala no "país das calças bege"; o uniforme dos presos no estado de São é este: calça bege e camiseta branca) que executa trabalhos braçais, capinando praças,
jardins e avenidas, discretamente vigiados, levados aos locais de trabalho e ao
final da jornada encaminhados ao presídio em ônibus em péssimo estado de conservação.
Pelas
petições diárias que o apontado chefe da quadrilha que assaltou os cofres
públicos faz à Vara de Execução Penal do Distrito Federal, tem-se a impressão que ele imagina que esteja em outro país ou se dirigindo aos seus companheiros (aos quais ele é um herói guerreiro) de partido: ele nunca
poderá ter deferido o seu pedido de, com um supersalário, trabalhar externamente num hotel que estava em nome de um "laranja".
Permitir-lhe isso será um escárnio.
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