Existe
uma memória seletiva acerca dos atos praticados pelos outros que sempre faz
evocar dados comprometedores; parece que nesse campo nunca ocorre o
esquecimento. Fala-se, de algum tempo a esta data, que as pessoas têm
"direito ao esquecimento”.
Em
termos jurídico-penais, o passado comprometedor não serve para condenar, mas
sim para agravar a situação daquele que reincidiu. Durante muito tempo, a
reincidência era perpétua – se preferirem, eterna (“que seja eterno enquanto
dure”, como disse lindamente o poeta). Cometido um delito aos 18 anos e
cumprida a pena (ou extinta por qualquer motivo – a prescrição, por exemplo) e
praticado outro aos 50 anos, a pessoa era considerada reincidente. Inicialmente
sob a forma de construção jurisprudencial e depois convertida em lei, foi
fixado um prazo para a reincidência: cinco anos após a extinção da pena pelo
cumprimento ou qualquer outra forma extintiva.
Além
disso, na reforma penal havida no ano de 1984, que trouxe, pela Lei n° 7.210,
uma nova parte geral ao Código Penal, a lei de execução – daquele mesmo ano e
foi a primeira que o Brasil teve em 484 anos de seu descobrimento –
estabeleceu, no artigo 202, que “cumprida ou extinta a pena, não constarão da
folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou
auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para
instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos
em lei”.
Conforme
dispõe a lei específica, depois de cumprida ou extinta a pena “desaparecerão”
dos registros oficiais “qualquer notícia ou referência à condenação”. A “mens
legis” foi perfeita, porque, como já afirmou alguém que viveu o problema, “a
pena realmente começa a ser cumprida depois de terminada”, pois é a partir de
sua categoria de “egresso”que todas as possíveis portas automaticamente se
fecham: qual emprego ou cargo público que não exige “folha de antecedentes”.
Talvez apenas o de político, pois é partir de sua eleição que muitos desandam
para o crime – vide a “bancada da Papuda” ou “bancada carcerária” da Câmara dos
Deputados.
Embora
a intenção da lei fosse ótima, ela é burlada a todo momento. Ao lado do Estado
oficial, o único autorizado a punir (“jus puniendi” – poder-dever de punir), há
outro que não pune, mas que controla a vida das pessoas, “sugando” dados dos
“sites” oficiais e montando um banco de dados que desobedece diuturnamente o
que dispõe a lei de execução penal. Dois exemplos servirão para esclarecer o
que está sendo dito: uma mulher foi acusada de tentar matar o filho. Mudou-se
do Brasil, indo fixar residência num país da Europa. Retornou ao Brasil para
ser julgada e a acusação de homicídio qualificado tentado foi desclassificada
para lesões corporais leves que, devido ao longo tempo transcorrido,
prescreveu. Em “sites” de busca, ao ser digitado o seu nome, a pesquisa é
direcionada para ”sites” oficiais e não oficiais em que constam dados sobre o
processo.
Um
homem foi acusado de ato obsceno (infração penal de menor potencial ofensivo) e
decidiu aceitar a transação penal, cumprindo a prestação de serviço à
comunidade que foi imposta. O processo foi extinto, porém, em virtude de ter
sido chamado por edital, consta o seu nome, o número do processo e o crime de
que era acusado em “sites” não oficiais.
Voltando
ao primeiro parágrafo deste escrito: até hoje circulam “correntes” nas “redes”
sociais contra alguns (então) rapazes, estudantes de medicina, que participavam
de um “trote” acadêmico em que um calouro morreu afogado. Embora não tenham
sido sequer denunciados, pois o inquérito policial foi arquivado, os “posts”
citam os seus nomes, onde trabalham e os chamam de “assassinos”.
O
passado deve condenar eternamente?
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