Relatam
os doutrinadores de Direito Penal que num dos sistemas penitenciários (ou seja,
sistema de cumprimento de pena privativa de liberdade) era imposto o silêncio
absoluto (“silent system”), o que levou os encarcerados a adotar uma forma de
linguagem de sinais assemelhada à linguagem utilizada pelos deficientes da
fala, ou seja, mudos. Embora no Brasil nunca tenha havido nada semelhante ao “silent
system”, em tempo de antanho os presos utilizavam essa “linguagem de mão”, seja por imposição dos guardas de presídio e carcereiros, seja porque eles estavam conversando sobre "segredos"(um plano de fuga, por exemplo).
A
minha primeira estada em presídio deu-se no ano de 1977, quando eu ainda não
era Procurador do Estado, e aconteceu na cadeia pública do (bairro) São
Bernardo. Por iniciativa do Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal de Campinas,
que cumulava o Tribunal do Júri e a Corregedoria dos Presídios e da Polícia
Judiciária, que fundou o PAR – Patronato de Ajuda ao Reeducando - alguns
voluntários – geralmente empresários – propuseram-se a “adotar” uma cela (no
jargão carcerário, “xadrez”), com todos os seus ocupantes (numa cela que
caberiam seis havia 18 ou mais), prestando-lhes ajuda, adquirindo, para os que
nem isso conseguiam ter, sabonete, pasta de dentes e similares. Mas faltava um
profissional que lhes desse assistência jurídica e esse encargo coube a mim,
que o desempenhei durante algum tempo.
Porém,
a aprovação no concurso público afastou-me dessa atividade, tendo a ela
retornado, agora oficialmente, como Procurador do Estado, no ano de 1983, no
mesmo estabelecimento prisional. No ano anterior houve uma rebelião e alguns
presos foram mortos. Uma das conclusões da sindicância que foi instaurada,
talvez a primeira, foi a de que eles deveriam (e queriam) ter assistência jurídica e,
encaminhado ofício à PAJ Criminal de Campinas, ofereci-me como voluntário.
Nessa época praticava-se nos presídios e cadeias a linguagem de sinais do “silent
system” e o uso do espelhinho era muito comum (os presos usavam o
espelhinho como um retrovisor, para controlar os movimentos do vigilante – guarda de presídio ou
carcereiro. Como não há praticamente vigilância dentro
dos presídios na atualidade, apenas externamente, caiu em desuso a linguagem de mão e o uso do espelhinho.
Afora
essas práticas, a linguagem da fala que eles utilizavam era parcialmente composta
de palavras que não tinham nenhum sentido aos “não-iniciados”. Esse tipo de
linguagem ainda hoje é utilizada e é facilmente perceptível na divulgação de trechos
de escutas telefônicas entre membros de uma facção criminosa. Ademais, a forma
de expressão algumas vezes denuncia se a pessoa é egressa ou não de cárcere ou
da Fundação Casa. Por exemplo: terminar todas as frases com a palavra “senhor”.
“Eu não estava lá, senhor.” “Não fui eu não, senhor.” A pessoa que assim se expressa esteve no "sistema".
Certa
ocasião fui conversar com um preso, em cuja defesa atuaria, para explicar o que
ocorreria na audiência de que íamos participar. Depois de explicar o trâmite,
perguntei se ele tinha entendido e ele respondeu: “entendeu”. Assustou-me não
ter empregado o verbo na primeira pessoa do singular e isso era constante nele.
Quando não entendia, respondia “não entendeu”. Durante o seu interrogatório isso
repetiu-se. Descobri, depois, que no presídio em que ele estava essa era a
forma normal de comunicação.
Algumas
são formas de manter na clandestinidade a atividade delituosa, já clandestina
por si mesma.
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