O aluno que estagiava
sob a minha orientação, hoje Promotor de Justiça, foi à minha sala e disse que
uma pessoa queria ser atendida, afirmando ter sido torturada por policiais.
Respondi dizendo que trouxesse a pessoa à minha presença. Ela veio. Contou a
história. Era segurança em uma agência bancaria localizada na avenida Julio de
Mesquita. Ladrões armados haviam invadido o estabelecimento. Dominaram todos e
praticaram um roubo. As investigações apontaram uma conhecida quadrilha. O
segurança era cunhado de um dos membros. Suspeitou-se que ele havia passado informações
aos ladrões. Foi detido e torturado.
Perguntei quem havia
feito isso. Nomeou os policiais civis (era de se acreditar, pois eles eram
useiros e vezeiros nessa prática). Ainda, porém, descrente do que ele dizia,
indaguei como fora torturado. Ele descreveu: "queimaram-me com brasa de cigarro".
Perguntei: em que parte do corpo? Ele respondeu: "na virilha". Pedi ao estagiário
que fechasse a porta da sala e à pessoa que arriasse as calças e mostrasse os
ferimentos causados pela brasa. Ele me atendeu: estava realmente com aquelas
queimaduras de brasa de cigarro na parte interna das coxas, em que a pele é
mais fina e sensível.
Incontinenti, telefonei
à escrevente da Vara do Júri, pois esta vara acumulava as funções de
Corregedoria da Polícia e dos Presídios. Disse a ela que encaminharia uma
pessoa que fora torturada, com um ofício em papel timbrado da PGE requerendo
providências. Ela me afiançou que seria imediatamente requisitado o exame de
corpo de delito. Fiz o oficio. Entreguei-o à pessoa. Ela foi ao fórum e de lá encaminhada ao IML com uma requisição judicial de exame de corpo de delito.
Passado muito tempo, eu
soube que um daqueles policiais civis apontados pelo segurança, o mais famoso deles e apontado no livro "Brasil, nunca mais" como torturador durante a ditadura militar, estava sendo
processado por lesão corporal leve (ainda, óbvio, não existia a lei
criminalizando a tortura[1])
na 3ª Vara Criminal local. Fui ler o processo: referia-se à tortura infligida ao segurança do banco assaltado, ou seja, a pessoa que eu atendera. Inexplicavelmente, eu, que vira "com os meus próprios olhos" as marcas no corpo do suspeito, não fora
arrolado como testemunha na denúncia. Nem o estagiário. Embora não tivéssemos
visto a tortura, vimos os ferimentos causados e ouvimos o relato.
O policial foi absolvido
por falta de prova.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", volume II, a ser publicado.)
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