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Pizzolato e as prisões brasileiras


   
   A história de Henrique Pizzolato é de quase todos conhecida: de simples ex-presidente do Sindicato dos Bancários da cidade de Toledo, Paraná, foi alçado à condição de diretor do Banco do Brasil. Usando recursos do Visanet, ele foi um dos os “alimentadores” do “mensalão” e por ter sido comprovada a sua participação nos crimes apurados na Ação Penal n° 470, que tramitou no Supremo Tribunal Federal, foi condenado e lhe foi imposta a pena de 12 anos e 7 meses de reclusão, no regime inicialmente fechado.
      Ao contrário do que fizeram todos os outros acusados, ele preferiu não recorrer, deixando que a condenação transitasse em julgado, bandeando-se do Brasil à Itália, já que tinha dupla cidadania. Quase todos os acusados recorreram, e muitos, aqueles cujas condenações não tinham sido unânimes, obtiveram êxito em suas pretensões recursais, com a diminuição da pena e a mudança de regime, de fechado para semi-aberto; alguns já obtiveram progressão, estando presentemente no regime aberto – prisão albergue. Como não há nenhuma Casa do Albergado no Brasil, que é local em que o regime aberto deve ser cumprido, é concedida a prisão albergue domiciliar.
      Descoberto na Itália, ele foi preso e o Brasil acionou o instituto da extradição, medida prevista não apenas na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como na Lei de Estrangeiros (n° 6.815, de 19 de agosto de 1980). Em relação ao país que a requer, ela é chamada “extradição ativa”; ao que é pedida, “extradição passiva”. No Brasil, os pedidos de extradição são julgados pelo Supremo Tribunal Federal, por uma de suas duas turmas. Na Itália, não.
      Feito o pedido, todos os que conhecem minimamente o Direito Internacional esperavam que a extradição fosse indeferida por conta da dupla cidadania: Pizzolato é também italiano (a título de ilustração, o Brasil NUNCA concede a extradição de brasileiro nato; de brasileiro naturalizado, em caso de crime comum praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins – artigo 5°, inciso LI, da Constituição).
      Porém, surpreendentemente, o Tribunal de Bolonha indeferiu o pedido com base na situação dos estabelecimentos prisionais brasileiros; sabe-se que o advogado do fugitivo ilustrou a sua defesa com fotos e reportagens daquelas barbáries acontecidas na terra do (infelizmente) imortal Sarney, no Complexo de Pedrinhas. Os representantes do Brasil, por seu turno, apresentaram fotos e relatórios de (uns poucos) presídios brasileiros que reúnem condições mínimas ao cumprimento da pena exigidas pela Constituição, Lei de Execução Penal e tratados e convenções a que o Brasil aderiu. De nada adiantou. Pior seria se o advogado de Pizzolato tivesse usado o vídeo produzido pela CPMI do Sistema Penitenciário.
      As autoridade brasileiras ficaram estarrecidas e com razão: não há país no mundo, exceto um ou outro presídio, em que a pena privativa de liberdade não esteja em crise e essa crise se arrasta há anos, tendo sido tentadas soluções, alvitradas pela ONU, e uma delas é a criação das penas alternativas (assim chamadas como uma alternativa à pena privativa de liberdade), de que é espécie a prestação de serviço à comunidade.
      Eu ouvi pela primeira vez a expressão “crise no sistema carcerário” quando cursava o primeiro ano da Faculdade de Direito e isto se deu no longínquo ano de 1971: de lá a esta data essa crise só tem aumentado - prisões superlotadas, presídios dominados por facções, pena que não ressocializa e outras perversões mais.
      O que mais assusta na decisão da justiça italiana é que, se a moda pega, nunca mais será concedida uma extradição, e o fundamento em que se apoiou a corte bolonhesa nunca foi utilizado pelo STF para negar uma extradição: a diário o “site” da mais alta corte de justiça brasileira publica concessão de extradição e nenhuma delas que tenha sido indeferida baseou-se no fundamento da “situação das prisões” do país requerente.

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