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Mostrando postagens de novembro, 2014

Carona ao viciado

          Ambos eram alunos da Unicamp; um, do colégio técnico; outro, da Faculdade de Tecnologia de Alimentos. Este se mostrou tão capaz e interessado durante o curso que lhe foi atribuída uma bolsa-pesquisa. Nem amigos eram; apenas se conheciam. Uma noite, estavam ambos numa festa quando o do colégio técnico pediu ao outro, que tinha uma moto, que o levasse até a casa de um traficante de entorpecente no bairro Taquaral, mais precisamente num ponto desse bairro que os moradores mais antigos de Campinas chamavam de “furazóio”. Assim foi feito: foram ambos à casa do traficante. O garupa – o estudante do colégio – desceu e adquiriu a droga (“maconha”); era uma quantia razoável. Quando estava se aboletando na moto para saírem dali, foram abordados pela polícia que, para azar de ambos, estava ali vigiando a casa (no jargão policial, “fazendo campana”). Foram ambos ao plantão policial e o carona foi autuado em flagrante delito pelo crime de porte de entorpecente (artigo 16 da Lei 6.36

Até agora ninguém foi preso.

      Ou: por enquanto ninguém foi preso. Essa frase se tornou corriqueira nos telejornais de todo o Brasil e habitualmente encerra a locução de notícias sobre crimes, muitas vezes sem que se saiba o nome do (suposto) criminoso (ou criminosos). Por exemplo: “três homens encapuzados 'assaltaram' uma agência bancária no bairro Aparecidinha. Até agora ninguém foi preso”. A primeira pergunta que me assalta (sem nenhuma conotação com o fato) é a seguinte: como alguém desconhecido poderia ser preso? A não ser que a polícia tivesse poderes mediúnicos ou extrassensoriais ela poderia, usando talvez uma bola de cristal, descobrir a identidade dos “assaltantes” e o local em que eles estivessem e efetuar a prisão.       Essa frase tola (imagino que os redatores dos telejornais não se deram conta do grau de tolice que ela exprime, ou, talvez, o que é duvidoso, tenham alcançado o grau de bobagem que ela encerra todavia continuam escrevendo-a somente como uma crítica velada à políc

Do maçarico à dinamite

      A criatividade dos “amigos do alheio” (como se dizia antanho para caracterizar os que praticavam crimes patrimoniais) é inexcedível: sempre passando de uma forma de atacar o patrimônio alheio à outra e sempre inovando, ao contrário do que acontece em outras modalidades delituosas em que os meios de cometimento são sempre os mesmos. Por exemplo, nos crimes contra a vida: os meios utilizados são sempre a faca, a arma de fogo, a marreta e tantos outros conhecidos, embora Nélson Hungria cite em sua obra “Comentários ao Código Penal” um meio inusitado de matar alguém – provocar risos. O exemplo foi extraído do conto de Monteiro Lobato “O engraçado arrependido” (vale a pena ler o conto – acredito que esteja disponível na “internet”).       Já os crimes patrimoniais sofrem ao longo do tempo uma metamorfose digna de um conto de Franz Kafka. É certo que alguns desses crimes estão em franca decadência, já que a habilidade e a lábia cederam lugar à truculência. Não se fala mais em “p

As peladas de Porto Alegre e o ato obsceno

       Em Porto Alegre, uma cidade tão ausente dos noticiários, algumas mulheres resolveram praticar corrida “nuas em pelo”, conforme se dizia antigamente. Inicialmente uma, depois outra e finalmente mais outra: pronto, eram três exibindo as “partes pudendas”, porém devidamente aparelhadas à corrida – calçavam tênis e meias.       Ao ver as fotos, rapidamente me veio à mente um fenômeno que aconteceu na década de 70 inicialmente no exterior, em seguida no Brasil. Nos Estados Unidos da América e na Inglaterra tomou o nome de “streaking” e consistia no seguinte: o “streaker” despia-se em um local longe das vistas das pessoas e depois passava correndo, em alta velocidade, em locais em que havia aglomeração. Alguns eram alcançados pelos policiais e conduzidos às delegacias. Como tudo que é novidade, o Brasil “importou” a prática e aqui ela tomou o nome de “chispada pelada” (chispada vem do verbo chispar, que tem vários significados, sendo um deles “deslocar-se velozmente”).

A entidade divina e a agente de trânsito

      O fato ocorreu na “cidade maravilhosa” e, como quase tudo o que acontece lá, ganhou contorno nacional, quiçá internacional. Numa simples verificação de trânsito, aleatoriamente foi parado um veículo cujo condutor não o tinha licenciado – o único documento que portava era a nota fiscal de compra, hábil somente por alguns dias -, bem como não portava a carteira de habilitação (havia esquecido o fundamental documento na bolsa da esposa, segundo explicou o infrator). Aplicadas as respectivas multas, inexoráveis no caso, ante a ameaça de guinchamento do veículo – medida trivial, já que o condutor não se mostrava habilitado à condução -, o infrator identificou-se como juiz de direito, ameaçando “dar voz de prisão” à agente de trânsito por abuso de autoridade, obtendo como resposta a frase “juiz não é deus”. Foi o quanto bastou para, agora, sua excelência sentir-se desacatado (a título de esclarecimento, o desacato é um crime contra a Administração Pública praticado por particular, c

A professora e o assaltante do filho

       Era uma manhã normal para os padrões campineiros, com temperatura alta, o que representava um verdadeiro castigo para nós que trabalhávamos de terno e gravata. Para mim também era uma manhã normal, dedicada às aulas na Faculdade de Direito. Durante o intervalo, subi à sala dos professores e ali a pessoa que nos dava suporte – dona Jandira – anunciou que uma professora do Colégio Pio XII queria falar comigo e estava a minha espera. Meus filhos estudavam naquele colégio, mas, até onde eu sabia, não era hábito dos professores procurarem os pais dos alunos em seus locais de trabalho para comunicar qualquer ocorrência.       De fato, o assunto era outro e ela narrou a história. O seu filho, que contava 13 anos de idade, fora “assaltado” no meio de uma tarde defronte ao Supermercado Pão de Açúcar do bairro Cambuí. O “assaltante”, de pouco mais de 18 anos (portanto, mal tinha adentrado a maioridade penal), simulando portar uma arma de fogo, com a mão direita sob a camiseta, exig