Algo
que aprendi, entre outros vários ensinamentos, enquanto cursava a faculdade de
direito, foi uma expressão muito em voga na época: “jus esperniandi” (alguns
escrevem “jus esperneandi”). A grafia é em latim, como logo se pode perceber,
porém ela não existe dentre todas as expressões – que são incontáveis – e brocardos
– inexcedíveis – existentes na cidadela jurídica.
Os
brocardos são dos mais variados matizes jurídicos e sempre grafados em latim (o Direito Brasileiro
é herdeiro direto do Direito Romano [e por consequência do Direito Italiano] e
isso fica mais notável em Direito Penal, em que muitos delitos têm a origem do
nome em latim: homicídio vem de “hominis occidium” ou “hominis excidium” – a morte
de um homem provocada por outro homem; estelionato vem de “stellio”, “stellionis”,
que significa camaleão, o famoso, no jargão policial, “17 de janeiro”, ou 171.
Um brocardo: “dormientibus non socurrit jus” – o direito não socorre os que
dormem. Outro: “si vis pacem para bellum” – se você quer paz, prepara-te para a
guerra.
Uma
expressão: “manu militari” – com uso da força. Outra: “cum grano salis” – com parcimônia,
com moderação. “Isto deve ser interpretado ‘cum grano salis’”.
O
“jus esperneandi” não existe seriamente nos dicionários jurídicos e
assemelhados e significa que a atitude que a pessoa tomou é tão esdrúxula que é
um puro exercício do direito de espernear ou de reclamar. Em outro sentido, uma
atitude tomada para agradar a torcida ou o cliente. O “jus esperneandi” muitas
vezes manifesta-se, e o campo jurídico é altamente propício a tanto, sob a
forma de uma ação proposta ou de um recurso interposto. Dizem os críticos que
existe um número excessivo de recursos no processo brasileiro (tanto penal,
quanto processual), o que tem contribuído para tornar mais morosa a atividade
judicante.
Inúmeras
vezes, no exercício de minha atividade de Procurador do Estado atuando como
defensor público, vi o réu que confessou a prática do delito e que fora reconhecido pelas
testemunhas, bem como tendo sido apreendido em seu poder instrumento e/ou
produto do crime, condenado a pena mínima, querendo recorrer. Eu tentava
dissuadi-lo disso, mostrando-lhe que todas as condições eram desfavoráveis e
que raramente o seu apelo seria julgado procedente, em vão: ele interpunha o
recurso e a mim cabia apresentar as razões recursais, sem ter quase nada a
apresentar como fundamento. Era um claro exercício do “jus esperneandi”.
Outros cristalinos exemplos desse pretenso direito estão nas recentes manifestações do
presidente do Partido dos Trabalhadores, especialmente naquelas em que ele
afirma, com uma expressão facial de quem está falando sério, que vai processar
os réus delatores que afirmaram em juízo que o seu – dele, presidente – partido
levou uma “bufunfa” estratosférica a título de corrupção em infindáveis
contratos de empreiteiras (e outras empresas) com a Petrobras.
Não creio que ele, presidente, acredite no que está falando, pois, se acreditar,
está muito mal assessorado juridicamente. Como já escrevi “em mal traçadas
linhas” neste espaço, todo e qualquer réu (ou indiciado) que se proponha a delatar o esquema
delituoso de que participava “dando nome aos bois”, não pode ser acusado de
nenhum delito, já que se trata de exercício regular de direito: é seu direito
de, incriminando-se e incriminando os demais partícipes da empreitada
delituosa, receber um benefício legal que vai de uma simples diminuição da pena
a uma total isenção: neste caso, ele é condenado, a pena é calculada porém o
juiz deixa de impô-la.
Pois
é: ou o presidente está “jogando para a plateia” (no caso, a militância), ou
está em pleno exercício do “jus esperneandi”.
Muito pertinente. A estratégia do PT é exatamente essa, jogar uma mentira para platéia até parecer verdade.
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