Comparando-se
os dois artigos em questão constata-se uma disparidade: ao passo que o
funcionário público que “solicita ou recebe”, ou “aceita promessa”, sempre
de vantagem indevida, fica sujeito a uma pena máxima de 4 anos – o que lhe daria
direito desde logo a cumprir a pena em regime aberto desde o início -, o
particular que corrompe ou tenta corromper fica sujeito a uma pena privativa de
liberdade no máximo de 12 anos. É mais grave a conduta de um funcionário
público que “achaca” o particular ou do particular que “compra” ou tenta “comprar”
o ato funcional? Na melhor das hipóteses, a pena máxima cominada à corrupção
passiva deveria ser mais alta.
Os
livros de Direito Penal brasileiros contém algumas preciosidades quando se
estuda o tema em questão e uma delas é a seguinte: e os pequenos agrados com que
o particular, agradecido pelo atendimento prestado pelo funcionário público,
presenteia o agente público, podem ser considerados corrupção? Há mais de
cinquenta anos, Nelson Hungria (que presidiu a comissão que elaborou o Código
Penal) afirmava que esses pequenos regalos não poderiam se constituir em crime
de corrupção. Exemplificava: os mimos dados aos carteiros no fim do ano, bem
como aos lixeiros (se bem que hoje esta atividade seja praticada por empresas
particulares contratadas pelo poder público). Porém, o sumo mestre de Pisa, Francesco
Carrara, advertia no século XIX que nesse tema deveria aplicar-se aquela
máxima: “temo os gregos, ainda que tragam presentes”. Para ele, presente ao
funcionário era como o cavalo de Tróia: um presente de grego.
Num
livro interessante, chamado “Sociologia da corrupção”, composto de vários
artigos, alguns escritos por juristas, outros, como o próprio nome designa, por
sociólogos, há uma defesa da corrupção, ou pelo menos, que não seja considerada
crime, pois, segundo o seu autor, as quantias movimentadas pela corrupção
circulam entre as pessoas, mudando de mãos e fazendo a riqueza trafegar. O autor de um dos artigos, um brilhante advogado criminalista carioca (Antônio Evaristo de Moraes Filho), foi, tempos depois, defensor de Fernando Collor de Mello quando este foi processado eplo crime de corrupção passiva perante o Supremo Tribunal Federal (o ex-presidente foi absolvido e a vantagem indevida por ele recebia foi um carro Fiat Elba). Sem chegar
a tanto, o jusfilósofo Miguel Reale apontava que o crime tem um lado positivo,
qual seja, fazer com que norma, ao ser aplicada, se reforce, agigantando-se.
Como
se disse recentemente, a corrupção é uma “velha senhora” (só faltou dizer que
era respeitável), numa alusão que ela não foi criada ontem. É verdade. Como
política de Estado, porém ela tem, digamos, uns 13 anos, quando, com a
implantação do “mensalão”, ela passou a ser encarada como política pública. Ela
precisava ser praticada para que os objetivos governamentais lícitos fossem
atingidos: esta era uma das teses ventiladas pelos detentores do poder ou quem
falava por eles. Os “corpos” dos atingidos pela dura mão da justiça no episódio
do “mensalão” mal tinham adquirido o ‘rigor mortis” e já surgia a ponta de
outro iceberg, o ‘petrolão”, e aqui não se tratou de arrecadar dinheiro sujo para
objetivos limpos, mas sim para enriquecer alguns e com as sobras pagar dívidas
de campanha a fim de se eternizar no poder. Ou vice-versa.
Tudo
isso enquanto “dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era
subtraída, em tenebrosas transações”, como sabiamente disse o petista Chico
Buarque de Hollanda na célebre música “Vai passar”.
É
um ato de prestidigitação – em vulgar, mágica – apresentar um projeto de “endurecimento”
da lei penal para que os crimes parem de ser praticados (ou diminuam): já que
um dos lemas (mentirosos) do atual governo é “pátria educadora”, que tal educar
os brasileiros, desde a mais tenra idade, ensinando-os que o funcionário
público não pode aceitar nada além de seu salário?
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