Ele
foi assim apelidado numa matéria de capa de uma “revista semanal de
informação”, como ela mesma se intitula. Quando ouço a palavra “príncipe”, me
vem à memória, em primeiro lugar, um ministro do Supremo Tribunal Federal, que
escreveu um dos mais completos livros de Direito Penal, intitulado “Comentários
ao Código Penal”- Nélson Hungria, “príncipe dos penalistas brasileiros”. Ele
foi assim apelidado por outro penalista, Heleno Cláudio Fragoso, que escreveu
livros importantes à interpretação da lei penal brasileira, um deles denominado “Lições
de Direito Penal”. Escreveu outros: “Jurisprudência criminal” e “Advocacia da
liberdade”, em que narra casos em que atuou na defesa de pessoas processadas
pelo regime militar. Numa das suas idas ao cárcere para visitar o cliente,
acabou ele também sendo preso. Pode
parecer saudosismo – e talvez seja – eu estar falando desses mestres, mas é que
na atualidade eles são simplesmente ignorados nas faculdades de direito: talvez
os professores atuais prefiram os autores modernos, embora não tenham o mesmo
conteúdo dos antigos[1].
Outro
príncipe, este dos poetas brasileiros. Ao pensar nele, assaltou-me uma dúvida e
para afastá-la fui procurar no Google e – surpresa – há vários príncipes: Olavo
Bilac, Guilherme de Almeida, Paulo Bonfim, Mário Quintana; creio que existam
outros, mas preferi não continuar na pesquisa. É que num país que existem
alguns reis (rei da soja [recentemente falecido], rei do futebol, rei da
[presumo] jovem guarda, rei do gado), era previsível que existissem outros tantos
príncipes... Porém, em Direito Penal, e no direito em geral, existiu apenas um.
A
revista apelidou o dono da maior empreiteira do Brasil de “príncipe dos
empreiteiros”, embora não haja um rei (se há, não é do meu conhecimento...) e
um juiz de Direito, um simples plebeu (embora alguns magistrados sintam-se reis
em suas varas ou comarcas, quase exigindo que sejam chamados de “vossa
majestade” e não de “vossa excelência”) ousou decretar a sua prisão, recolhendo-o
não numa ala palaciana, mas sim numa simples carceragem da Polícia Federal, e
ele, o encarcerado, ao ser visitado por um de seus advogados, passou-lhe um
bilhete em que determinava ao profissional que “destruísse” um e-mail de “sondas”.
A mensagem foi apreendida e de plano espocaram as manchetes afirmando que se
tratava de uma ordem para dar o sumiço na prova em questão. Imediatamente, o
advogado que recebeu a mensagem, como era de se esperar, afirmou que o verbo em
questão – destruir – foi empregado em outro sentido, no sentido de contraditar
aquela prova. O dicionário Houaiss tem aproximadamente vinte sentidos para o
verbo destruir e nenhum deles é condizente com o que disse o profissional. Se o
cliente tivesse usado o verbo “detonar”, ainda que não seja sinônima de “destruir”,
talvez pudesse a frase ser entendida de outra forma.
A
título de esclarecimento, o Código Penal – e é por este motivo que o “príncipe”
está preso, por ter violado artigos desta lei e de outras leis penais – utiliza o
verbo destruir na definição de alguns crimes. Por exemplo: no crime de dano
(artigo 163), em que está escrito que o delito consiste em destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. Encontra-se o
mesmo verbo na definição do crime chamado supressão de documento (artigo 305) e
tal qual ocorre com o crime anterior, são alguns verbos e um deles é destruir.
O “príncipe dos penalistas brasileiros” assim se manifesta sobre o assunto: “destruir
significa subverter o documento, ainda quando não seja consumida a matéria (papel)
de que se compõe (ex: queimar, dilacerar, submeter à ação de um corrosivo)”.
Desnecessário seria dizer que naquela época não existia computador no Brasil e,
portanto, nem e-mail (para uma cronologia dos descobrimentos da era digital,
ler o livro “Os inovadores”, de Walter Isaacson, o mesmo biógrafo de Steve
Jobs; sintomaticamente, o livro em questão tem como subtítulo “Uma biografia da
revolução da digital”). Quanto ao crime de dano, o penalista afirma que na
destruição “a coisa deixa de subsistir na sua individualidade anterior, ainda
mesmo que não desapareça a matéria de que se compõe (ex.: matar uma rês,
reduzir a cacos uma vidraça, cortar uma árvore)”.
Quem
melhor poderia esclarecer o sentido do verbo destruir constante da mensagem interceptada
é quem o empregou: porém, o príncipe dos empreiteiros tem a prerrogativa de
ficar em silêncio e até de mentir. O príncipe dos penalistas brasileiros
lecionava que “o direito de defesa compreende o direito de mentir”.
[1] .
Uma amiga, cujo pai teve um dos melhores cartórios de Campinas, quiçá do estado
de São Paulo, quiçá do Brasil, tentou doar os muitos livros jurídicos do pai,
falecido há algum tempo, à biblioteca de uma faculdade de direito e esta não
aceitou, afirmando que eram “livros velhos”...
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