Como
até os bancos de jardim das praças públicas sabem, o Código Penal brasileiro
fixa o alcance da maioridade penal aos 18 anos e não é somente ele: a
Constituição da República Federativa do Brasil também fixa essa idade para que
a pessoa que cometeu um crime seja considerada imputável e, como consequência,
culpável, sendo assim possível que lhe seja aplicada uma pena (privativa de
liberdade, restritiva de direitos e multa).
Fazendo
um ligeiro retrospecto histórico, a maioridade já teve ao longo do tempo,
vários “números”. As legislações penais que tiveram aplicação no Brasil foram
as Ordenações do Reino, chamadas Filipinas, em seguida o Código Penal do
Império (1830), o Código Penal da República (1890), a Consolidação das Leis
Penais (1932) e o Código Penal de 1940. Ao longo desse tempo houve variações: o
Código Criminal do Império estipulava que os menores de 14 anos não seriam
criminosos; já o Código Penal da República descrevia que não eram “criminosos
os menores de 9 anos”, nem os maiores de 9 e menores de 14 que tivessem “obrado
sem discernimento”. A Consolidação das Leis Penais dispôs que a maioridade
penal seria atingida aos 14 anos, porém, a pessoa entre 14 e 18 anos ficaria
sujeita a “regime especial”. O Código Penal de 1940 fixou a idade da “responsabilidade”
em 18 anos. No ano de 1969, a junta militar que governava o país, por
decreto-lei aprovou um Código Penal em que, inicialmente, a maioridade penal
seria atingida aos 18, porém, o autor do crime seria considerado responsável se
tivesse 16 e revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se conforme esse entendimento, caso em
que a pena aplicável seria diminuída de 1/3 a ½. Esse código, embora aprovado,
nunca entrou em vigor. Em 1984 foi reformada Parte Geral do Código Penal, mas a
idade de 18 anos foi mantida. A Constituição da República Federativa do Brasil,
que é de 1988, dispôs da mesma forma.
Os
legisladores brasileiros são pródigos em aprovar leis que são um espelho
fidedigno do “jeitinho” tupiniquim. Assim se deu com a introdução do divórcio
em nosso país. Aprovada a fórceps no ano de 1977, ele permitia à pessoa
divorciar-se somente uma vez (depois a lei foi modificada). Fora da lei – em seu
sentido mais literal – o “jeitinho brasileiro” criou uma forma de adoção: em
vez dos pretendentes esperarem na fila, faziam contato com pessoas que
trabalhavam em maternidades e tão logo uma parturiente, descontente com a
gravidez, manifestasse o desejo que não ficar com o bebê, apanhavam o recém-nascido
registrando-o como seu. Tratava-se de crime, embora a motivação fosse pelo
menos em parte nobre, Para remediar a grave punição prevista a esse crime, que
era de reclusão de 2 a 6 anos, foi aprovada lei modificativa abrandando a
punição para detenção de 1 a 2 anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
Estava concretizada a “adoção à brasileira”.
O
“jeitinho” brasileiro mostrou mais uma vez a sua face na discussão da redução
da maioridade penal. Um projeto de proposta de emenda constitucional
estabelecia que a maioridade penal seria atingida aos 16 anos de forma ampla,
vale dizer, para qualquer crime. Entrando o “jeitinho” em campo, outra proposta
estabelecia que a maioridade seria atingida aos 16 anos para os crimes
hediondos (estes estão definidos na lei 8.072/90). Afundando-se mais no “jeitinho”,
outra proposta previa que aos 16 anos a pessoa se tornaria penalmente maior
somente se praticasse um crime grave. Ou gravíssimo. Quais são os crimes graves? E os gravíssimos? Nenhuma lei os define e, portanto, haveria, caso fosse esta última norma
aprovada, a necessidade de outra, agora não mais emenda constitucional, mas
sim lei ordinária, enumerando os “crimes graves”, bem como os "gravíssimos". E há mais: caso a Constituição seja modificada para reduzir a maioridade penal, o Supremo Tribunal Federal poderá ser acionado para declarar se a modificação está conforme a "lei maior", pois, dizem os entendidos, trata-se de cláusula pétrea, ou seja como dizia Magri, "imexível" por emenda e sim por outra constituinte.
É
assim: até na elaboração de leis, impera o “jeitinho”. E, neste caso, parece que assim é por que os legisladores não e saberem o que pretendem.
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