O
grupo terrorista VAR-Palmares detonou um carro-bomba no Quartel General do II
Exército, no Ibirapuera, matando um dos soldados que estavam de sentinela,
Mário Kozel Filho; por conta disso, foram os soldados da 1ª Companhia do 1°
Batalhão de Carros de Combate Leves, localizado em Campinas, convocados para ir
a São Paulo, pois as autoridades militares acreditavam que outros ataques
seriam perpetrados.
Colegas
de farda foram me buscar em casa de madrugada para me levar ao quartel a fim de
receber as ordens. Na noite da véspera, eu tinha ido com alguns amigos a uma
festa junina e no caminho presenciamos um acidente de trânsito: na rua atrás do
Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, uma Kombi invadiu a contramão e abalroou uma
lambreta, atingindo a perna do carona. Foram os dois ao chão e a perna do
carona dobrou-se para trás como em um desenho animado. Ele urrava de dor.
Tocamos a campainha de uma casa ali próxima e pedimos ao dono que chamasse a
polícia e o socorro (este se chamava SAMDU) e continuamos nosso caminho em
direção à casa em que seria a festa, próxima dali. Estávamos todos a pé.
Quando
meu pai me acordou na madrugada, dizendo “que um pessoal do exército” estava me
procurando, inocentemente pensei que o motivo era para que eu prestasse
depoimento sobre o acidente que presenciara: mal sabia, como soube anos depois
ao me tornar advogado, que a demora é de meses, quiçá anos, para que uma pessoa
testemunha seja chamada a depor. Ademais, não me ocorreu em que era na hora em
que era acordado, eu não tinha dado o meu nome a ninguém como testemunha.
Chegando
ao quartel, fardados, fomos postos em forma – o dia estava alvorecendo – e nos
foi explicado pelo comandante o que ocorrera – o atentado – e que nos
dirigiríamos a São Paulo, pois se acreditava que outros aconteceriam. Os carros
de combate seriam transportados pelo auto trem, uma invenção da época para
transportar caminhões. Embarcados os carros, fomos para São Paulo, chegando no
fim da tarde, parando na estação da Lapa, e ficamos aguardando ordem para
desembarcar. A ordem não veio naquele dia e pernoitamos nos carros ou num dos
vagões de passageiros que compunham o comboio.
A
ordem de desembarque não veio porque não houve mais ataque e enquanto
esperávamos não pudemos tomar banho, nem trocar de roupa (cada qual levou
quando muito uma “muda” de roupa), dormindo sentados no carro de combate ou num
dos vagões. Neste ponto, parecia que estávamos numa guerra. Depois de três dias fomos autorizados a retornar a Campinas, mas na
estação ferroviária – ainda era Companhia Paulista de Estrada de Ferro – também
não pudemos desembarcar, pois o estado de prontidão perdurava. Mais uma noite
mal dormida. Ocorreu um quase incidente: vimos uma pessoa passando furtivamente
sobre os trilhos e, cada qual de nós (éramos três) armados com uma metralhadora
Ina .45, que era a arma regulamentar dos componentes da guarnição do carro de
combate, saímos em sua perseguição. Logrando alcança-lo, vimos que se tratava
apenas de uma pessoa que “cortava caminho” pelos trilhos da ferrovia. Nada de
terrorismo.
Foi
uma experiência intensa, embora na época eu tivesse 19 anos, idade em que
parece não existir perigo: todas aquelas horas de tensão foram encaradas dentro
da mais total normalidade. Mas hoje me preocupa o seguinte: e se eu tivesse
matado alguém, ainda que culposamente? Ou seja: a minha arma disparando sem
querer e atingindo alguém, matando-o? Ou dolosamente? Conseguiria conviver com
isso?
Talvez
intensamente por este motivo é que em Paris, já bem longe dos 19 anos de idade,
é que os covardes ataques, embora tenham ceifado 130 vidas, não provocaram
temor em mim.
A
propósito: espero em breve retornar à “cidade-luz”.
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