Capítulo I – Crime contra a vida
O
Código Penal inicia a Parte Especial com o Título que cuida dos valores
referentes à Pessoa (humana): o nome desse título é Crimes contra a Pessoa. No
capítulo I deste título está a proteção à vida humana e a proteção se
desenvolve em quatro artigos: homicídio, participação em suicídio, infanticídio
e aborto. A vida já formada tirada por outra pessoa que não o seu titular; a
vida já formada e o seu titular é ajudado a tirá-la; a vida já formada vindo à
luz e quitada; e, finalmente, a vida em formação sendo interrompida.
No
primeiro dos crimes contra a vida – o homicídio – há uma forma qualificada em
que ocorre o emprego de mentira. É aquela em que o sujeito ativo utiliza
“dissimulação” (artigo 121, § 2º, inciso IV). Mirabete diz que “a dissimulação é o emprego de recurso que
distrai a atenção da vítima do ataque pelo agente. São exemplos dela o
disfarce, referido expressamente pela lei anterior, como qualquer ato que iluda
a vítima da agressão iminente, em especial no que se relacione ao porte da
arma”[1].
Para Damásio, “existe dissimulação quando o criminoso age com falsas mostras de
amizade. A qualificadora pode ser material ou moral. Material: caso de o
sujeito se disfarçar para matar a vítima. Moral: quando ele dá mostras falsas
de amizade para melhor executar o fato”[2].
Para Aníbal Bruno, “a dissimulação de quem se vale de qualquer ardil, para
frustrar a atenção da sua vítima, e, assim, desapercebidamente acomete-la”[3].
Para Nélson Hungria, “dissimulação é
a ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa. O criminoso
age com falsas mostras de amizade, ou de tal modo que a vítima, iludida, não
tem motivo para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta e indefesa”[4].
Para Fernando Galvão, “a dissimulação,
por sua vez, descreve o uso de disfarce quanto à intenção criminosa. A vítima
percebe a presença do sujeito, mas não sua intenção hostil. O emprego de meio
dissimulado assegura ao sujeito que a execução do crime atingirá a vítima de
forma inesperada, quando esta se encontra desprevenida e enganada”[5].
Luiz Regis Prado descreve que “a dissimulação consiste na ocultação da intenção
delitiva, para tornar mais custosa a defesa da vítima”[6].
Para Delmanto, “por este modo, o agente esconde ou disfarça o seu propósito,
para atingir o ofendido desprevenido. Tanto qualifica a ocultação do propósito
como o disfarce utilizado pelo próprio agente para se aproximar da vítima”[7].
Também
no crime de “induzimento, instigação ou auxílio a suicídio” (artigo 122 do Código Penal) pode haver o
emprego de mentira, sob a forma de fraude. Conforme Mirabete, “a fraude pode ser meio do crime de
induzimento, como no exemplo de Bento de Faria: ‘marido e mulher resolvem, sob
juramento, morrer na mesma ocasião. Este, com o propósito de se desfazer dela,
faz constar ou finge que morreu. Ela, fiel os juramento, põe termo à vida. Não
há como negar que o marido concorreu para esse suicídio. Mas a fraude pode ser
meio para o homicídio. Suponha-se a conduta daquele que entrega a outrem um
revólver, dizendo-o descarregado, quando ocorre o contrário, e convence a
vítima a puxar o gatilho após apontar a arma para a própria cabeça. Há
homicídio e não induzimento a suicídio porque o ofendido não pretendia
matar-se”[8].
O aborto apresenta-se sob
duas formas: aborto provocado pela gestante (auto-aborto) ou com seu
consentimento auto-aborto e aborto
provocado por terceiro; esta modalidade contém duas formas: aborto provocado
com o consentimento da gestante e aborto provocado sem o consentimento da
gestante. Uma das formas de aborto provocado por terceiro sem o consentimento
ocorre quando a anuência da gestante é obtida mediante fraude. Como exemplo de
fraude para a obtenção do consentimento Julio Fabbrini Mirabete assim se
expressa: “exemplos desta última seriam os casos de convencer a gestante de que
se está praticando uma intervenção cirúrgica para remover um tumor ou de
fazê-la ingerir um abortivo supondo que se trata de um medicamento”[9].
O exemplo de emprego de fraude formulado por Damásio de Jesus é mais singelo:
“dizer à gestante que o único meio de ela não morrer é submeter-se à prática
abortiva”[10].
Segundo Luiz Regis Prado, “exemplos característicos de fraude são aqueles em
que o agente ministra à mulher grávida substância abortiva ou nela realiza
intervenção cirúrgica para a extração do feto sem o seu conhecimento”[11].
Na lição de Hungria, “fraude é todo
ardil tendente a induzir outrem em erro. Assim, seria viciado pela fraude o
consentimento da gestante, se a esta se convencesse, astuciosamente, que o
prosseguimento da gravidez lhe acarretaria a morte”[12].
Damásio manifesta-se de forma quase idêntica: “exemplo de fraude: dizer à
gestante que o único meio de ela não morrer é submeter-se à prática abortiva”[13]
[1].
Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, Parte Especial, volume II,
27ª edição, 2010, Atlas, São Paulo, página 38 (itálico no original).
[2].
Direito Penal, Parte Especial, volume 2, 29ª edição, 2009, Saraiva, São Paulo,
páginas 69 e 70.
[3].
Direito Penal, Parte Especial, volume IV, ª edição, 1972, Forense, Rio, página
83.
[4].
Comentário ao Código Penal, volume V, 3ª edição, 1955, Forense, Rio, página 166
(itálico no original).
[5].
Direito Penal, Crimes contra a Pessoa, 2013, Saraiva, São Paulo, página 52
(itálico no original).
[6].Curso
de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, volume 2, 5ª edição, 2006, RT, SP,
página 70.
[7].
Código Penal comentado, 8ª edição, 2010, Saraiva, São Paulo, página 447.
[8]. Obra
citada, página 48.
[9].
Obra citada, página 61.
[10].
Obra citada, página 126.
[11].
Obra citada, página 117.
[12].
Obra citada, página 295 (itálico no original).
[13].
Obra citada, página 126.
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