Pular para o conteúdo principal

A mentira no Código Penal - IV

Crimes contra a liberdade individual
                       
                        Ainda no Título I da Parte Especial – crimes contra a pessoa – há um capítulo, o de número VI, que protege o valor “liberdade individual”. Na Seção I deste capítulo, denominada “ Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal”, há um delito, em que a mentira, sob a forma de fraude, pode ser meio de seu cometimento, que é o sequestro ou cárcere privado, descrito no artigo 148 do Código Penal: “privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”. Para Mirabete, “a conduta típica é privar alguém de liberdade, pouco importando o meio utilizado pelo agente ara obter o resultado. Pode consistir em meio físico (violência) ou moral (ameaça) ou na utilização de fraude (mentira, levando a vítima a erro), narcóticos, hipnose etc.”[1]. Ou seja, dentre as formas de realização da conduta típica está a mentira.
                        Na Seção II, “Dos Crimes contra a Inviolabilidade do Domicílio”, O artigo 150 descreve a violação de domicílio: “entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”. O vocábulo “astuciosamente” denota o emprego de algum expediente para burlar a vontade “de quem de direito”. Discorre Mirabete: “a entrada pode ser astuciosa, com o emprego de fraude. Como exemplo dessa hipótese é citado o caso em que se fingem de empregados de companhia de gás, encanadores etc., para ingressarem, com esse expediente fraudulento, na casa ou em suas dependências”[2]. Na opinião de Damásio de Jesus, “age com clandestinidade o sujeito que penetra na residência alheia às ocultas. Exemplos de entrada astuciosa: o sujeito ativo se veste de carteiro, de funcionário da companhia de força e luz ou do serviço de água e esgoto para penetrar na residência da vítima”[3]. Para Luiz Regis Prado, “a entrada ou permanência serão astuciosas quando o utilizar de meios fraudulentos para induzir ou manter o morador em erro e, assim, obter o seu consentimento, ou para escapar à sua vigilância. Há, portanto, o emprego de fraude, ardil ou artifício para o ingresso ou continuação  na casa. É o que ocorre quando o agente, por exemplo, finge ser entregador de pizza que traz o pedido; o empregado da companhia de energia elétrica, para vistoriar o relógio; o membro da vigilância sanitária, para dedetizar a residência; ou mesmo quando a empregada, já demitida, simula estar doente e impossibilitada de locomover-se para permanecer nas dependências da casa”[4]. Para Delmanto, “a conduta pode ser às claras ou às ocultas, ou ainda por fraude”[5]


[1]. Obra citada, página 152 (itálico no original).
[2]. Obra citada, página 164 (itálico no original).
[3]. Obra citada, página 274.
[4]. Obra citada, página 337, com citação, quanto ao último exemplo, de Magalhães Noronha, Direito Penal, II, página 183.
[5]. Obra citada, página 537.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante