O verbo conspurcar,
segundo os léxicos, significa sujar, manchar, e nos crimes do vasto painel
incriminador brasileiro há um delito que contém esse verbo. A criminalização da
conduta ali descrita resultou de um longo debate doutrinário e jurisprudencial
sobre a “pichação”. Esta atividade, que alguns poucos veem como arte, era
entendida por alguns autores e aplicadores da lei penal como crime de dano,
artigo 163 do Código Penal. Outros, com razão, afirmavam que a “pichação” não
se constituía nessa espécie delituosa, pois ela não se amoldava aos três verbos
constantes do tipo: destruir, inutilizar ou deteriorar. Rara vez a “pichação”
podia realizar o tipo, pois ela é feita principalmente sobre muros e não chega
a destruí-los, inutiliza-los ou deteriora-los.
O problema foi resolvido
com a aprovação da lei de proteção ao meio ambiente, ou seja, a dos crimes
ambientais (nº 9.605/98), que no artigo 65 pune a pichação e a conspurcação[1].
Aqueles dois rapazes mal
entrados na maioridade penal eram acusados de haver cometido esse delito e a
sua conduta consistiu no fato de escreverem nas paredes do banheiro de uma
escola municipal dizeres... bem, quais dizeres são escritos em banheiro? Pornográficos,
obviamente. Ou seja, haviam conspurcado aquele próprio municipal. Como eu
sempre fazia, li o “t.c.o.” ("termo circunstanciado de ocorrência") e fui conversar com eles a fim de explicar-lhes
que, se eles aceitassem a proposta de transação penal, cumprissem-na, tudo aquilo seria arquivado.
Pensei: como explicar a eles que estavam sendo acusados de conspurcar um
banheiro de escola? Certamente, eu poderia ser mal compreendido. Porém, com
toda cautela, e usando o verbo do tipo penal, expliquei-lhes a acusação e
mais, que seria feita a proposta de doação de uma cesta básica a uma entidade
de caridade que, se aceita e cumprida, acarretaria o arquivamento da
“papelada”.
Entramos na sala. A
juíza explicou-lhes tudo e eles a princípio negaram terem feito qualquer
“conspurcação”, e num banheiro! Talvez tivessem pensado ter ouvido "copular". Depois de esclarecido o sentido da palavra e vencida esta parte da audiência, em que não se discute se a pessoa é culpada ou não, fomos à segunda parte: eles aceitariam
a transação, mas, por serem pobres, não poderiam fazer a doação. Finalmente,
concordaram em prestar algumas horas de serviço à comunidade, com o que a
audiência pôde ser encerrada.
Pois é: conspurcar (ou pichar) é
crime ambiental.
[1].
Assim é o texto legal: “pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou
monumento urbano”, com a pena de detenção de 3 meses a 1 ano.
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