E depois do
advento da lei nº 9.099/95, que instituiu o JECrim – Juizado Especial Criminal
-, passou a ser possível a suspensão processual em alguns casos de aborto, o
que significa dizer que raramente a pessoa acusada é submetida a julgamento
(vale lembrar que o aborto é um dos quatro crimes [dolosos] contra a vida que
são julgados pelo Tribunal do Júri): se transcorrer o prazo de suspensão, que é
geralmente fixado no mínimo (2 anos) sem nenhum incidente, é extinta a
punibilidade e o processo é arquivado.
Num dos
poucos casos de aborto em que trabalhei houve a suspensão: a ré, uma comerciária
de pouco mais de 18 anos, fora a uma farmácia e comprara um remédio para o
estômago que provocava o aborto. Sim, ela sabia que estava grávida e adquiriu o
remédio exatamente com a finalidade de abortar, já que não tinha nenhum
problema estomacal. Houve uma complicação e ela foi ao pronto-socorro:
atendida, descoberta a manobra abortiva, a polícia foi comunicada. Houve inquérito, o Ministério Público
denunciou-a e, ao receber a denúncia, o magistrado designou audiência para
interroga-la e fazer a proposta de suspensão, que deve ser aceita pela pessoa
que deve estar acompanhada de advogado. Conversei com a ré antes da audiência e
expus tudo isso a ela e ela disse que iria aceitar a proposta de suspensão.
Aceitou e o juiz determinou ao escrevente que imprimisse o termo. Este termo já
fica “pronto” no computador, faltando apenas preencher o nome da pessoa
acusada. Naquele termo constava como uma das condições da suspensão “não
frequentar prostíbulo durante o prazo de suspensão”, condição que geralmente se
aplica a processo movido contra homem. Antes que ela assinasse, li o termo e
fiquei estarrecido: expliquei ao juiz que como seria possível uma comerciária
ter motivo para frequentar um prostíbulo; ademais, que era algo até ofensivo à
ré. Imediatamente, o magistrado mandou corrigir o equívoco e novo termo, sem
essa condição estapafúrdia, foi impresso.
Outro caso
em que trabalhei eram duas pessoas acusadas: um casal de namorados, ambos mal entrados
na maioridade penal. Ela engravidara e ele comprou o mesmo remédio com efeito
colateral abortivo. Ela ingeriu-o e foi, sem ele, porém com umas amigas, passar
o domingo numa represa numa cidade próxima a Campinas e ali teve complicação pós-aborto
(este tipo de delito somente é descoberto por conta das complicações, pois a
“vítima” não tem interesse na punição do sujeito ativo). Foi ao pronto-socorro,
onde foi atendida e, constatado o aborto, foi acionada a policia. Como as
manobras abortivas se deram em Campinas, para cá foi enviado o inquérito
policial. Ambos foram denunciados e foi feita a proposta de suspensão,
imediatamente aceita. Porém, o réu envolveu-se em outros crimes, de extorsão
mediante sequestro, e a suspensão foi revogada, tendo o processo tomado o seu
curso normal, culminando com o seu julgamento em plenário. Não consegui
convencer os jurados, nem por escassa maioria, de que deveriam absolver o réu:
eles o condenaram. O juiz impôs-lhe a pena mínima e como ele era menor de 21
anos na época do fato, teve o prazo prescricional reduzido de metade, tendo,
assim, extinta a punibilidade pela prescrição.
Presentemente, há uma ação de descumprimento de preceito fundamental - ADPF -, de número 442, proposta pelo PSOL, discutindo a criminalização do aborto até a 12a semana. A relatora, Ministra Rosa Weber, abriu audiências públicas para, digamos, orientar-se sobre o tema. Aguardemos o julgamento da ação.
Presentemente, há uma ação de descumprimento de preceito fundamental - ADPF -, de número 442, proposta pelo PSOL, discutindo a criminalização do aborto até a 12a semana. A relatora, Ministra Rosa Weber, abriu audiências públicas para, digamos, orientar-se sobre o tema. Aguardemos o julgamento da ação.
[1].
Vítima entre parênteses porque, embora a ação seja exercida contra a gestante,
o sujeito passivo é o feto. Uma parte da doutrina mais moderna inclina-se pela
colocação do Estado como vítima da ação delituosa.
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