Estouraram na mídia,
é melhor que sejam assim chamadas, as peripécias (podem também ser intituladas “travessuras”)
de uma tal polícia legislativa do Senado Federal, justamente quando Renan
Calheiros, o seu presidente, é objeto de várias investigações ligadas à Operação Lava-Jato: as
operações consistiram em “varredura” nas residências de algumas pessoas que não
possuem nenhuma ligação com essa casa legislativa, como por exemplo, um
ex-senador (o infelizmente imortal José Sarney) e um ministro do Tribunal de
Contas da União. Todas autorizadas pelo presidente.
O Estado detém o
poder de polícia (recordo que, na parte dissertativa do concurso ao cargo de
Procurador do Estado a que me submeti -
e fui aprovado - no longínquo ano de 1978, o tema era “poder de polícia”. Tão
logo foi anunciado, “garrei escrever” – como se dizia antanho – e obtive a nota
máxima: eu o tinha estudado muito). A Constituição da República Federativa, com
as alcunhas de “lei das leis”, “magna carta”, “lei maior”, prevê, no artigo
144, as seguintes espécies de polícia: a) polícia federal; b) polícia
rodoviária federal; c) polícia ferroviária federal, polícias civis, e d)
polícias militares e corpos de bombeiros militares. No parágrafo 8° desse artigo está escrito que “os
Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus
bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Logo se vê que não se
trata de polícia e que tem a destinação específica descrita no referido
parágrafo.
Uma
primeira questão que se coloca é a seguinte: qual norma jurídica criou essa “polícia
legislativa”? Ela foi criada por uma resolução do Senado Federal, a de número 1
do ano de 1950. que determinava que o Serviço de Segurança (que depois tomou o
nome de Polícia Legislativa do Senado) era “responsável pelo policiamento do
edifício do Senado”. Nada mais. Outra resolução, a de número 59, de 5 de
dezembro de 2002, especificou as atribuições dessa “polícia” :
§ 1º
São consideradas atividades típicas de Polícia do Senado Federal:
I – a
segurança do Presidente do Senado Federal, em qualquer localidade do território
nacional e no exterior;
II – a
segurança dos Senadores e autoridades brasileiras e estrangeiras, nas
dependências sob a responsabilidade do Senado Federal;
III – a
segurança dos Senadores e de servidores em qualquer localidade do território
nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado Federal;
IV – o
policiamento nas dependências do Senado Federal;
V – o
apoio à Corregedoria do Senado Federal e às comissões parlamentares de
inquérito; (atribuição acessória – art. 8º do Ato
da Comissão Diretora nº 14, de 2005)
VI – as
de revista, busca e apreensão;
VII –
as de inteligência;
VIII –
as de registro e de administração inerentes à Polícia;
IX – as
de investigação e de inquérito.
Ainda essa mesma norma estabelece que (§ 3º)
o inquérito será enviado, após a sua conclusão, à autoridade judiciária
competente. Entenda-se: competente para julgar.
Vale
registrar que essa polícia com atribuições tão restritas tem equipamentos mais
sofisticados para executa-las (como a “maleta de varredura”) e o vencimento
mensal de cada membro é superior aos de todas as polícias de verdade: mais de
17 mil reais. (Está aberto concurso para o preenchimento de cargos: o candidato precisa ter nível médio: as carreiras jurídicas, que não remuneram tão bem, exigem nível superior, e, em alguns casos, experiência de alguns anos. Quem se
habilita?)
Como se percebe facilmente, a tal polícia
legislativa tem atribuição para atuar dentro das dependências daquela casa
legislativa ou em locais sob sua responsabilidade. A casa de um senador, por
exemplo?. Talvez interpretando extensivamente as frases “as de inteligência” e “dependências
sob a responsabilidade do Senado”, (local em que moram os seus membros?), foi o
que permitiu que fossem feitas “varreduras” em casas de parlamentares. A não ser que essa interpretação leve em conta
a segurança dos senadores, mas há sempre a limitação territorial: nas dependências
do Senado.
Algumas atribuições da polícia legislativa
são inteiramente inexequíveis: a de busca e apreensão, por exemplo. A única
autoridade que pode determinar a busca e apreensão é o juiz de Direito
(entenda-se aqui, se for o caso, um desembargador ou um ministro). A não ser
que essa polícia senatorial pretenda cumprir mandado de busca e apreensão
expedido pela Justiça Federal, caso deva a busca ser realizada nas dependências
do Senado. Pretensão, diga-se logo, totalmente absurda.
O que se percebe nos vários capítulos desse
episódio é que aconteceu mais uma “cabeluda”[1] do presidente daquela casa
legislativa quando determinou operações policiais que jamais poderiam ser
feitas, seja pelo âmbito restrito de suas atribuições, seja pelo local em que
suas atividades devem ser realizadas, e a lição que deve ser extraída é que se
trata de uma instituição inútil e como tal propícia à prática de ilegalidades.
Apenas para lembrar, Renan é o último representante do coronelismo nordestino. Um deles, o maior, ACM, foi retirado da vida pública pela morte. O outro, José Sarney, retirou-se, não sem antes sobreviver, como um camaleão a diversos governos e tornar o Maranhão o estado com pior índice de desenvolvimento humano (IDH) - para os demais, porque os seus familiares desenvolveram-se muito, tornando-se ricos. A atividade de segurança das dependências do Senado bem poderia ser exercida
por uma empresa de segurança particular: ficaria mais barato e certamente não
seriam cometidas ilegalidades.
[1] .
Ver no blog a postagem “Mais uma cabeluda do Renan” – http://silvioartur.blogspot.com.br/2013/12/mais-uma-cabeluda-do-renan.html
Perfeito como sempre. Agora, frente a uma injustiça, é que ouvimos o grito dos justos ou o silêncio dos covardes. A resposta do STF é que irá mostrar se a lei é maior que cada cidadão, ou se Lula estava certo na conversa com Dilma, interceptada por Sérgio Moro. Um abraço.
ResponderExcluirObrigado, Celso. Um abraço.
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