O Rio de Janeiro não é
somente um estado brasileiro, é mais: é outro país dentro do Brasil. Várias
razões indicam isso e uma delas é que todo e qualquer acontecimento é motivo
para festejo. O carnaval é apontado, e com razão, o maior do mundo, dado o luxo
e a originalidade, sem contar a beleza das fantasias e das alas, incluindo-se
nessa beleza os sambas compostos exclusivamente para ilustrar o enredo. Outro
indicador é a intensa e constante luta entre a polícia e tráfico, comparável,
em número de combates e em número de mortes somente àquelas que aconteceram em
países que têm – ou tinham – guerrilhas, como Colômbia, com as FARC.
Sergio Cabral Filho –
sim, filho, pois seu pai, Sergio Cabral, foi um compositor, produtor musical,
jornalista. Entre os seus (bem) feitos está no fato de ter sido um dos
fundadores do Pasquim, um jornal que tive a honra de ler, o que me divertiu
muito: era uma publicação que contestava a ditadura. Por conta disso, ele
esteve preso por algum tempo (naquela época, quem ousasse se opor à ditadura
era preso – quando não ocorria coisa pior, como a tortura e o desparecimento.
Era também compositor (seu parceiro era Rildo Hora): Janelas Azuis, Visgo de
Jaca, Velha Guarda da Portela, Meninos da Mangueira, algumas gravadas por
cantores famosos, como Maria Creuza. Enfim, uma vida, conforme a sua biografia
revela, voltada (não me atrai esta expressão) ao bem. Talvez a única obra voltada para o mal tenha
sido ser pai do ex-governador do Rio.
Voltando ao tema, tudo é
motivo para festejo para os cariocas. Mas a reação deles à prisão de Sergio
Cabral Filho foi algo que não ocorria há muito tempo no Brasil. Sim, porque já
houve comemoração pela saída de um político: a morte de Getúlio Vargas. Há
diferenças entre, digamos, as saídas: o ex-governador do Rio foi afastado da
vida social depois de deixar o cargo (ele renunciou, não nos esqueçamos),
enquanto o então presidente deixou a vida pública em pleno exercício do
mandato, matando-se.
Getúlio foi presidente
do país por duas vezes e segundo se dizia foi um feroz ditador. Diz-se que o
período da ditadura militar (1964) foi branda se comparada com a de Getúlio. O
chefe da sua polícia política, Filinto Muller, mereceu um artigo na revista (na
época, a maior revista semanal de informações do Brasil) “O Cruzeiro”, escrito
por David Nasser, chamado “Falta alguém em Nuremberg”. Uma das torturas que a
polícia de Filinto praticava era enfiar alfinetes sob as unhas dos prisioneiros.
Getúlio Vargas matou-se
com um tiro no peito no Palácio do Catete (há ainda hoje quem conteste a versão
do seu suicídio) no dia 24 de agosto de 1954. Eu morava em Jaú e no dia
seguinte, 25 de agosto, acordei bem cedo, madrugada mesmo, com o barulho de
rojões: corri para a janela e pelos espaços da veneziana olhei e vi um jipe sem
capota: no banco do passageiro um homem soltava rojões. Perguntei ao meu pai o
que tinha acontecido e ele respondeu: “Getúlio se matou”.
Sergio Cabral Filho foi
uma pessoa, por assim, dizer, de duas faces; uma, em que pregava a ética e o
trabalho, e a outra em que cobrava “mesada” por obras contratadas pelo seu
governo. Essa face, digamos, oculta, começou a ser conhecida quando fotos e
vídeos de suas andanças pela Europa foram expostos na internet, algumas
constrangedoras, como aquela em que ele está num restaurante chique com o seu
estado-maior com bandanas na cabeça feitas com o guardanapo: extremo mau gosto.
Além do mau gosto, não há registro na política brasileira de um governador de
um dos maiores e mais importantes do país tenha agido com tanto escárnio. As
investigações da Lava-Jato estão mostrando todas as malfeitorias do dois
mandatos desse Cabral.
Pois é: a alegria pelo "desaparecimento" de uma uma figura política já tinha sido vista há 62 anos.
Música composta por Sergio Cabral (pai): https://www.youtube.com/watch?v=D4KHg_VFmT8
Música composta por Sergio Cabral (pai): https://www.youtube.com/watch?v=D4KHg_VFmT8
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