Um
dos temas mais importantes no estudo do Direito Penal é a legítima defesa.
Trata-se de uma causa de exclusão da ilicitude (ou antijuridicidade) do fato,
tornando-o lícito. Se alguém mata outrem comete em tese o crime de homicídio
descrito no artigo 121 do Código Penal. Porém, se o fez em situação de legítima
defesa, o seu ato não é considerado homicídio. Para que se reconheça a
existência dessa causa de exclusão da ilicitude, todavia, é necessário que
estejam preenchidos alguns requisitos e estes estão descritos no artigo 25 do
Código Penal. Diz tal artigo “entende-se em legítima defesa quem, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem”. Como se percebe, é necessário que exista
uma agressão (um ataque) atual (que está acontecendo) ou iminente (prestes a
ocorrer) ao direito do que se defende e que sejam os meios necessários à defesa
utilizados de forma moderada (no texto penal há um advérbio: moderadamente).
Como exemplos recentes de aparente legítima
defesa podem ser citados dois: o do cunhado da multimídia Ana Hickmann[1] e
do policial que dirigia um carro a serviço da Uber. No segundo exemplo, o homicida reagiu a um “assalto”,
matando os “assaltantes”: tratar-se-ia de legítima defesa própria - a favor de si
próprio. No primeiro, o cunhado de Ana agiu em defesa dela, ou seja, em defesa
de terceiro e este é um dos temas mais interessantes no assunto “legítima
defesa”, denominado “legítima defesa de terceiro”. Pode-se agir em defesa de
pessoa que esteja sendo agredida, mas, ainda assim e talvez com mais cuidado,
devem ser obedecidos rigorosamente todos os requisitos da excludente da
ilicitude. Ao contrário do que muitos pensam, ninguém é obrigado a expor a sua
integridade corporal, quiçá a própria vida, para socorrer terceiro. Aliás, a
lei penal não obriga ninguém a defender-se, mas se quiser, pode, desde que
sejam respeitados os limites.
Há
tempos, vi-me na situação de poder intervir em benefício de terceiro pessoa que
estava sendo agredida por outra, com a aparente violação de sua integridade
física. Era a manhã de um sábado, por volta de 7 horas, e eu me dirigia ao meu
escritório. Fui pela rua Coronel Quirino até o final (na verdade, início) e,
quando entrei na alça de acesso da avenida Aquidabã, enxerguei um homem e uma
mulher brigando no canteiro central e nenhum dos dois aparentemente levava vantagem.
Parei o carro e percebi que já havia alguns carros parados ali, simplesmente
observando a contenda. Revoltado com a inércia das pessoas, desci do carro
(sempre pensando na famosa “chave de roda” para usar como arma), saindo em
defesa daquela dama. Tão logo desci, gritei para que parassem senão eu chamaria
a polícia. Nesse momento, a dama olhou para mim e disse com aquela voz anasalada,
parecida com a do Pato Donald:
-
Me ajuda que ele está me machucando.
Não
era uma dama e sim um travesti (tinha esquecido que ali era um tradicional reduto
desses profissionais do sexo). Lembrei da famosa música de Chico Buarque “Geni e o
zepelim”, na passagem em que a letra fala na “formosa dama” e a que brigava nem
formosa era. Geni também não era uma
dama... Se era formosa, pela letra da música não se sabe. Aliás, muitas vezes a beleza está nos olhos de quem olha...
Desisti:
afinal, ninguém é obrigado a sair em defesa de outrem (legítima defesa de
terceiro) e aquilo parecia mais uma rusga entre “marido e mulher”, ou, na pior
das hipóteses, um “acerto de contas” entre freguês e usuário (consumidor?) de
que resultariam apenas arranhões e puxões de cabelo...
[1] .
Este fato abordei em outra postagem: “O cunhado de Ana Hickman e o excesso na
legítima defesa.
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