A lei que rege o assunto
– a 4.898/65 – é um legítimo produto da época da ditadura, em que governava o
país Humberto Alencar Castello Branco. O espírito da lei era punir os abusos
que começavam a ser praticados nos porões (a respeito, deve ser lida a trilogia
de Elio Gaspari: A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada e A ditadura derrotada, bem como a obra Brasil: nunca mais) e a finalidade não era punir,
mas sim apresentar um arremedo de punição. A respeito dessa lei, disse em
monografia uma aluna do mestrado da Faculdade de Direito da USP (a famosa São
Francisco, ou Arcadas) “que o legislador andou pisando em ovos”, ou seja,
criminalizou as condutas com o mínimo de rigor. A ementa dessa lei, que é de 9
de dezembro de1965, assim especifica: “regula o direito de representação e o
processo de responsabilidade administrativa,
civil e penal por abuso de autoridade”. Considera a lei (artigo 3º) abuso de autoridade qualquer atentado à
liberdade de locomoção, inviolabilidade de domicílio, ao sigilo de
correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício de
culto religioso, à liberdade de associação, aos direitos e garantias legais assegurados
ao exercício de voto, ao direito de reunião, à incolumidade física do
indivíduo, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Pode até ser discutido
se o juiz federal, no exercício de sua atividade funcional, violou alguma dessas
proibições, porém o que salta aos olhos é que não existe nenhum fundamento a um
pedido de prisão. O uso da prisão preventiva, que sempre no Brasil foi um abuso, ficou
restringido com o advento da lei que criou os juizados especiais criminais, a
de nº 9099/95. Ela criou a categoria das infrações penais de menor potencial
ofensivo, em relação às quais não há sequer processo, tudo podendo ser
resolvido num “acordo” entre o (apontado) autor do fato e o Ministério Público,
chancelado pelo Poder Judiciário. Essas infrações são aquelas às quais é
cominada a pena de multa ou privativa de liberdade não superior a 2 anos.
Posteriormente, veio uma reforma do Código de Processo Penal, mais precisamente
no ano de 2011, em que a prisão preventiva passou a ter um uso muito restrito,
funcionando como a última medida a ser tomada, sendo preferível o uso de
medidas substitutivas restritivas, e uma das suas facetas é o uso da tornozeleira
eletrônica.
Pois bem: os crimes
previstos na lei de abuso de autoridade têm como punição a multa (de 100
cruzeiros a 5 mil cruzeiros, atualizados porém pelo artigo 12 do Código Penal,
transformados em dia-multa, no mínimo 10 e no máximo 360, como o valor de cada
dia multa em 1/30 do salário mínimo até 5 vezes o salário mínimo), a detenção
por 10 dias a 6 meses. Como se vê, são infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, alcançadas, assim, pela lei n º 9099/95.
Incabível, assim, a
decretação de prisão, mesmo que o magistrado fosse condenado. Quanto a Lula, o risco de que seja "enjaulado" é iminente e há fundamentos - fracos, ainda - para decretar a prisão preventiva.
Quanto ao pedido de
Lula e sua família só pode ser dito o seguinte: “you must be joking”...
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