Uma dessas
vendedoras compareceu ao plantão da PAJ relatando a seguinte história: num
anoitecer, naquele horário do lusco-fusco, ela dirigia-se a pé para sua casa e
ao atravessar um local ermo foi atacado por um homem que, depois de dominá-la
com o emprego de violência, estuprou-a. Para agravar a situação, ela
engravidou.
Constatada a
gravidez, ela procurou auxílio para interrompê-la, já que a lei penal permite o
aborto quando a gravidez resulta de estupro. Atendi-a e iniciei uma autêntica
peregrinação. Elaborei um ofício em papel timbrado da Procuradoria Geral do
Estado (órgão a que pertencia a PAJ) encaminhando-a ao INAMPS e pedindo que
fosse a estuprada submetida a medidas médicas para interromper a gravidez. A
resposta foi negativa. Voltou a me procurar e elaborei outro ofício, desta vez
destinado à Maternidade de Campinas e a resposta foi novamente negativa. Quase
desistindo, enviei ofício ao Departamento de Toco-ginecologia da Faculdade de
Medicina da Unicamp e a resposta foi quase positiva: a interrupção das gravidez
seria realizada desde que houvesse autorização judicial.
Nessa época,
a doutrina penal não era tão firme como hoje: atualmente, em qualquer manual de
Direito Penal está escrito que não há necessidade de autorização judicial, nem
de instauração de processo penal, nem mesmo de inquérito policial, para que o
aborto – dito sentimental – seja realizado. Iria requerer a medida judicial
quando me ocorreu a idéia de requerer a instauração de inquérito policial
contra “autor desconhecido”. Pedi ao Delegado de Polícia da circunscrição que
apressasse o andamento, pois senão o bebê nasceria antes que o inquérito
estivesse terminado.
Encerrado o
inquérito em tempo recorde e enviado a juízo, foi distribuído à 4ª Vara
Criminal, e então foi feito o pedido: embora o Promotor de Justiça que atuava
perante aquela vara houvesse discordado, o pedido foi deferido e pode a
vendedora ambulante de café interromper a gravidez.
Em tempos
atuais, essa “via crucis” não precisaria ser percorrida.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", Editora Millennium.)
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