A prescrição é a mais
conhecida – quiçá a mais importante - causa de extinção da punibilidade. Ela
claramente expressa que o poder-dever de punir (“jus puniendi”) do Estado
(exclusivamente) não é eterno e a ela foram dedicados incontáveis estudos, sejam
como simples artigos publicados em revistas especializadas, sejam como
monografias, sejam como capítulo de alguns livros (manuais, tratados, lições,
instituições e outros nomes menos pomposos).
Ela pode ser entendida
em poucas palavras: o Estado marca um prazo para que ele exerça o seu (poder)
exclusivo de punir e se não conseguir executá-lo nesse prazo, ele o perde.
Quase todos os crimes são prescritíveis exceto o de racismo; mesmo assim, num
caso rumoroso, o STF decidiu por maioria de votos que poderiam haver crimes
imprescritíveis no Brasil. E muito recentemente essa mesma corte de justiça
denegou um pedido de extradição[2]
feito pela Argentina porque, segundo a lei penal brasileira, os crimes estavam
prescritos. Essa decisão foi um marco, porque os crimes imputados ao
extraditando são considerados imprescritíveis segundo a Convenção sobre a
Imprescritibilidade de Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de
1968. O Brasil não subscreveu essa convenção, o que, teoricamente, tornaria
impossível a sua aplicação em solo brasileiro. Os crimes imputados ao
extraditando ocorreram entre os anos de 1973 e 1975 e, portanto, sob a ótica do
Direito Penal brasileiro, prescreveram, pois o prazo máximo prescricional é de
20 anos, que é reduzido de metade quando o criminoso é maior de 70 anos (ou
menor de 21).
O STF foi vanguardeiro no assunto
“prescrição”: na década de 60, numa nova interpretação do artigo 110 do Código
Penal, foi criada uma (mais uma) modalidade de prescrição, a retroativa, tendo
sido relator do processo o ministro Nelson Hungria, cognominado “príncipe dos
penalistas brasileiros” , e essa
interpretação foi tantas vezes repetida que acabou se convertendo numa súmula, a de número 146. Na reforma penal de 1984 ela foi introduzida
no Código Penal. Recentemente, numa atitude que pode ser entendida como um
“golpe” na prescrição, passou o STF a entender que a sentença condenatória de
primeira instância confirmada em segunda instância pode ser executada
imediatamente. Pode ser vista como esse “golpe” porque são tantos os recursos cabíveis
que incontáveis vezes processos prescreviam nos tribunais.
O que, porém, teria levado a quase
metade dos processos contra políticos prescreverem no STF? Antes de responder,
outro esclarecimento que deve ser feito é que esses políticos têm, como já dito
“foro privilegiado”, o que equivale dizer, eles são julgados em única instância
pelo mais alto tribunal brasileiro. Todos os milhares de casos de pessoas que
não detêm essa prerrogativa são também julgados pelo mesmo tribunal,
especialmente se a decisão proferida nas instâncias inferiores violar a
constituição, podendo ser um caso dos mais simples: incontáveis casos são
submetidos à apreciação dos senhores (onze) ministros. Embora os políticos
tenham “foro privilegiado” os seus processos entram na fila de julgamento, não
tendo nenhum (aqui a palavra está corretamente empregada) privilégio.
Uma forma de impedir que o STF
receba anualmente essa enxurrada de processos é limitar os casos que devem ser
julgados por ele, adotando-se, por assim dizer, uma solução estadunidense, em
que os juízes (lá são chamados “justices” e o presidente da corte de “mr.
justice”) praticamente selecionam os casos que vão julgar. Na feitura da
Constituição de 1988 (carinhosamente chamada de “cidadã” pelo presidente da
constituinte, deputado federal Ulysses Guimarães), tentou-se transformar o STF
em corte constitucional, porém não se concretizou essa ideia. Processos
criminais contra políticos entrando na fila dos milhares de processos
submetidos ao crivo do STF, prazo prescricional máximo de 20 anos e redução de
metade desse prazo se o acusado for maior de 70: estão aqui os ingredientes para
que a prescrição ocorra nos níveis noticiados. E aqui não poderia deixar de abordar uma variante do tema: o "foro privilegiado", já que há movimentação para a sua extinção e vou apontar um exemplo por mim visto. Estive em Chicago no ano de 2010 e ali estava sendo julgado o governador do estado (Illinois) sob a acusação de corrupção. Obama era senador por aquele estado e foi eleito presidente. Com a vacância, como não há a figura do suplente (outra excrecência brasileira que precisa ser extinta), e o governador é que faz a indicação e ele recebeu uma dinheirama para indicar o novo senador. Descoberta a trama, foi processado (e ao fjnal condenado) perante um juiz de primeira instância. Aqui, o governador de Minas Gerais já foi denunciado por 3 vezes perante o Superior Tribunal de Justiça, órgão competente para julga-lo numa espécie de foro privilegiado piorado: a Assembleia Legislativa daquele estado precisa autorizar que seja instaurado o processo.
Mas os teóricos da conspiração de
plantão afirmarão (se já não afirmaram) que se trata de má vontade dos
ministros do STF, beneficiando os políticos.
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