Um
dos filmes indicados ao Oscar, tanto na categoria de melhor película, melhor
ator coadjuvante – Dev Patel -, e na de melhor atriz coadjuvante – Nicole Kidman,
“Lion – uma jornada para casa”, é belíssimo, terno, cruel quando precisa ser e
indiretamente aborda um tema jurídico que no Brasil encontra-se ainda – sem
qualquer trocadilho – em gestação (ou desenvolvimento): a paternidade biológica
e a paternidade socioafetiva.
Sem
pretender fazer qualquer “spoiler”, o filme – baseado em fato real – descreve a
saga de um garoto de pouca idade – Saroo - que se perde de seu irmão maior –
Guddu – numa das incontáveis estações de trem da Índia, sendo adotado, depois
de fugas e andanças, por uma família da Austrália, onde passa a ter uma vida
condizente com o princípio da dignidade da pessoa humana. Em dado momento de
sua vida, com quase 25 anos de idade, passa a ser atormentado por visões do
passado – afinal, na corrente causal ele ali estava por conta de uma perda - e
resolve pesquisar onde ele teria residido e onde residiriam os seus parentes – por estes entenda-se a mãe, o irmão (de quem
se perdeu na estação) e a irmã. Depois de incansáveis buscas e cálculos, com a
preciosa ajuda do Google Earth, num lance de puro acaso, quando já se estava à
beira do desânimo, mexendo no cursor do notebook, ele descobre onde seria a
casa em que morou.
Ele
sequer sabia pronunciar corretamente o nome da aldeia em que vivia, sequer o
seu próprio nome, mas, motivado por esse golpe de sorte proporcionado pelo
Google, ele vai ao local e reencontra a mãe e a irmã: o irmão, de quem se
perdeu, morreu atropelado por um trem na mesma noite em que se apartaram.
O
filme aborda a situação de crianças “abandonadas” na Índia e aponta que mais de
80.000 crianças são “adotadas” por famílias do mundo todo. Em algumas cenas,
fica nítido que algumas dessas crianças são sequestradas e entregues à adoção,
ao que se pode, supor, ilícita. Não é o caso de Saroo, pois este é levando a um
“internato”, em que recebe lições de inglês e boas maneiras, sendo, afinal,
adotado por um maravilhoso casal que optou por não ter filhos e sim adota-los.
O
filme resvala num assunto jurídico muito interessante e que no Brasil, embora
seja incipiente, tem sofrido grandes alterações: a paternidade socioafetiva,
que algumas vezes se contrapõe à paternidade biológica. Nesse campo do direito
civil – o Direito de Família – o Brasil tem conhecido diversas alterações,
desde a “barriga solidária”, antigamente chamada “barriga de aluguel”, até a igualdade
de condições em direitos entre os filhos biológicos e os adotados. No Brasil, a
discussão sobre ambas as paternidades ganhou no Supremo Tribunal Federal “status”
de repercussão geral, e, em poucas palavras, este é o resumo: “paternidade
socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico” (Recurso
Extraordinário 989060).
No
filme nunca aparece a figura do pai biológico de Saroo, não sendo possível
saber era o mesmo de todos os irmãos, e no final do aparecem cenas reais de um encontro
entre as mães, a biológica e a socioafetiva abraçadas a ele, todos muito
emocionados.
Embora
seja um filmaço, com receio de morder a língua, penso que este não abocanhará o
Oscar de melhor película: meu voto iria para outro também baseado em fatos
reais, chamado “Até o último homem”.
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