Norberto Bobbio – os que são da área jurídica devem conhecer muito bem – escreveu um livro muito bom chamado “A era dos Direitos”. Nós hoje vivemos outra era, a do palavrório: sempre alguém tem algo a dizer, ainda que seja, muitas vezes, uma rematada tolice.
Roberto Carlos, no
início de sua carreira, nos tempos da Jovem Guarda, quando compunha músicas
inocentes, fez uma brincadeira com uma personagem (que ninguém nunca soube a
identidade) de uma revista de muita tiragem na época, a Revista do Rádio. Essa
personagem tinha uma coluna na revista chamada “Mexericos da Candinha”, destinada,
claro, a fofocas. Numa frase da música, ele diz: “mas a Candinha quer falar”. É
o que, em certa medida, acontece hoje.
“Culpadas”, em parte
por isso, são as “redes sociais”, que poderiam ser vistas englobadamente como “internet”.
Sobre esse fenômeno, o autor de “O nome da rosa” e o “Cemitério de Praga”,
Umberto Eco, disse numa entrevista à revista VEJA quando do lançamento de seu
último (e foi último mesmo, pois ele morreu...) livro, ”Número Zero”, que “a
internet deu voz aos imbecis” (um “filósofo” midiático contemporâneo
apropriou-se dessa frase – como já fez com outras -, apresentando-a como sua, acrescentando
porém a palavra “muitos”).
Os telejornais
deixaram de ser um programa de transmissão de informação e passaram a ser
programa de opinião: o apresentador depois de ler a notícia dá, como dizia o
Professor Raimundo, “um pitaco”. O campeão disparado é o apresentador Ricardo
BoechatO, do Jornal da Band, que, além de emitir a sua opinião, faz “caras e
bocas”. Ameaçando um empate técnico com ele está Rodrigo Bocardi, apresentador
do Bom dia São Paulo, que, além das opiniões, se apresenta como um verdadeiro
xerife em certos assuntos.
Mas não para por aí:
alguns telejornais, além de os apresentadores emitirem as suas opiniões, dão
ensejo a que os telespectadores emitam as suas – é o caso do “Jornal das Dez”
do canal Globonews. Aquilo que antes, timidamente, chamava-se “coluna do leitor”
e era exclusiva dos jornais (impressos), converteu-se numa autêntica epidemia,
com os “entendidos” emitindo “on-line” as suas opiniões.
Nas “redes sociais”
então é que fica claro essa necessidade mórbida de dizer algo nos presentes
dias. Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp, e outros menos usados, são os
veículos ideais para os que padecem de verborragia. No Facebook, por exemplo, alguém posta algo e um "amigo" emite um comentário enorme, aquilo que se convencionou chamar de "textão", que acaba concorrendo com a postagem.
Essa verborragia
mostra um lado negativo da educação brasileira: a língua mãe é diariamente
assassinada diversas vezes. A crase, disse Ferreira Gullar, não foi feita para
humilhar ninguém, mas é o que amiúde ocorre. Sabe aquele grupo (familiar ou
não) de Whatsapp de que você faz parte e logo cedo um dos membros posta um bom
dia assim: “bommm diiiiaaa À todos”. Aquilo que prometia ser um bom dia mesmo
tornou-se um martírio (e olha que eu não sou nenhum “seu Saraiva”, o rei da
intolerância - o inventor da "tolerância zero") ao ver tal agressão à língua pátria. Tal fenômeno se repete à
exaustão no Facebook.
Outro assassinato que
diariamente se faz da língua portuguesa é o verbo haver: incontáveis são as
postagens em que a pessoa ignora a existência do “h” e escreve assim: “A” vinte
anos...
Os “pitacos” nos
assuntos jurídicos causam-me taquicardia (tenho que rapidamente tomar mais um Atlansil
200), sudorese e tremor nas mãos. Mal o órgão judiciário terminou o julgamento
e, portanto, a sentença ou acórdão não foi publicado, pululam as opiniões dos “juristas
das redes sociais”. Muitos – a esmagadora maioria – sequer se dá o trabalho de
procurar ler o decisório. Certo dia, numa roda de amigos, dias após um
julgamento do STF, um deles armou-se de ares de erudito e perguntou:
- O que Rui Barbosa diria desse julgamento?
Fui tomado pelo espírito (imperfeito) do seu Saraiva e respondi:
- Ele precisaria antes de dizer algo ler o conteúdo do acórdão,
mas não foi ainda publicado.
O erudito emudeceu e
ficou mirando o infinito.
Torço para que a era
do palavrório termine logo.
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