Um
dos temas mais explosivos desde sempre no Brasil é o do aborto e a sua
proibição.
O
Código Penal, cuja Parte Especial (a que define os crimes e prevê as penas para
cada um) pune o aborto sob três formas: auto aborto[1],
aborto com o consentimento da gestante[2]
e aborto sem o consentimento da gestante[3].
Em outras figuras penais contempladas na Parte Especial poderá ocorrer aborto,
mas como consequência de uma ação não querida, como é o caso, por exemplo, da
lesão corporal que provoca o aborto[4].
Aqui, o sujeito ativo pretendia somente ofender a integridade corporal da
vítima (que no momento do ataque estava grávida), porém, provocou a interrupção
da gravidez.
Da
mesma forma que pune a prática do aborto, o Código Penal prevê duas situações
em que a interrupção da gravidez é autorizada: quando a prenhez representa um
risco à vida da gestante[5],
chamado de “aborto terapêutico”, e quando a gravidez resulta de estupro[6],
chamado de “aborto sentimental”.
Em
algumas situações, o feto, por motivos os mais variados, pode apresentar alguma
deficiência que o torna inviável para a vida extra-uterina. O exemplo sempre
lembrado e citado é o da anencefalia, ou seja, quando o feto não possui o
encéfalo e durante muito tempo incontáveis gestantes carregaram em seu ventre
fetos que não tinham nenhuma possibilidade de sobrevivência quando viessem à
luz.
Como
essa modalidade de interrupção de gravidez não estava prevista na legislação
penal, a gestante que pretendesse abortar precisava socorrer-se do Poder
Judiciário, que autorizava a interrupção. E foram tantos os pedidos que foi
ajuizada no Supremo Tribunal Federal a ADPF 54 justamente para liberar as
grávidas que se encaixassem nessa situação pudessem interromper a gravidez sem
precisar recorrer ao Judiciário: ela foi julgada procedente por maioria de
votos (o acórdão está disponível no “site” do STF).
Passaram
a ser três as hipóteses de aborto “permitido”.
Uma
“vista d’olhos” na história legislativa do Brasil mostrará que já foram
apresentados diversos projetos de lei referentes ao tema “aborto”, alguns simplesmente liberando a prática, e para
ficarmos no mais recente, que é um projeto de Código Penal que ora tramita no
Senado Federal, veremos que além das permissões hoje existentes, houve acréscimos,
a saber: a) gravidez resultante do emprego não consentido de técnica de
reprodução assistida; b) anencefalia ou outra anomalia; c) se, por vontade da
gestante, até a décima segunda semana de gestação, quando o médico ou psicólogo
constatar que a mulher não apresenta condição psicológica de arcar com a
maternidade.
Mas
mídia recentemente abriu manchetes com letras garrafais para referir-se a uma
PEC “do aborto”, um projeto de emenda constitucional que, se aprovado, inviabilizaria
qualquer modalidade de aborto. Trata-se da de número 181/2015, cujo autor é o
senador Aécio Neves, originalmente com a finalidade de apenas
modificar a licença-maternidade em caso de parto prematuro. Apenas isso.
Ardilosamente, foi acrescentado um artigo na proposta original, numa forma
de emenda chamada “jabuti” ou “clandestina”, pelo deputado Jorge Tadeu Mudalen,
segundo a qual a pessoa tem reconhecida a dignidade “desde a concepção” e a
inviolabilidade da vida também desde a “concepção”.
Apenas
pela diferença dos temas esse “acréscimo” deveria ser prontamente rejeitado,
mas não foi. Foi aprovado pela comissão especial, o que não significa que será
aprovado pelo plenário. E mesmo que seja, é discutível que não possibilite a interrupção da
gravidez nas hipóteses hoje permitidas. Na colisão do valor vida entre feto e
mãe na gravidez de alto risco, o desta deverá prevalecer em respeito à
dignidade de uma vida já formada; no caso de estupro, também o princípio da
dignidade militará em favor da mãe; identicamente, no caso de feto
anencefálico.
Mas
o presidente da Câmara afirmou que ela “não passará”. Se passar, será o STF
chamado a resolver o assunto.
[1] .
Artigo 124, com pena de reclusão de 1 a 3 anos.
[2] .
Artigo 126, com pena de reclusão de 1 a 4 anos
[3] .
Artigo 125, com pena de reclusão de 3 a 10 anos.
[4] .
Artigo 129, § 2°, inciso V, com pena de 2 a oito anos.
[5] .
Artigo 128: “não se pune o aborto praticado por médico ‘quando não há outro
meio de salvar a vida da gestante”
[6] . Artigo
128: “não se pune o aborto praticado por médico ‘se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz,
de seu representante legal.
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