Nos dois julgamentos a que foi submetido o ex-presidente Lulla –
tanto em primeira quanto em segunda instância – a sua defesa apegou renhidamente
a um argumento que, em outros tempos, talvez fosse aceito: o de que o direito
de propriedade do tríplex do Guarujá nunca foi transferido para o seu nome. Em
Direito Civil esse argumento teria um peso fundamental; o mesmo não se aplicou,
no presente caso, ao Direito Penal.
Uma das acusações
contra o ex-mandatário versava sobre o crime de corrupção passiva, um crime
contra a Administração Pública, descrito no artigo 317 do Código Penal. Uma superficial
análise do seu conteúdo mostra que um dos requisitos é que o sujeito ativo seja
funcionário público e que ele solicite ou receba vantagem indevida ou aceite
promessa de tal vantagem. Acerca do conceito de vantagem, os doutrinadores são
unânimes em afirmar que pode se tratar de qualquer vantagem, tenha ela, ou não,
relevo econômico. Por essa ótica, pode-se afirmar que um bem imóvel pode ser a
vantagem indevida a ser solicitada ou recebida pelo funcionário público. Para
que tal se desse no campo do Direito Civil seria necessária que fosse feita a
escritura da transação e que ela fosse registrada no cartório apropriado.
Em Direito Penal isso
seria impensável: alguém consegue imaginar um corrupto lavrando escritura de um
bem imóvel que recebeu (ou apenas solicitou) como vantagem indevida e, assim,
deixando uma formidável prova de seu crime? Os assessores do ex-presidente
(seria melhor dizer “asseclas”) engendraram um (como se diz na linguagem dos
criminosos) “bem bolado”: a Construtora OAS (que assumiu as obras do Edifício
Solaris em lugar da falida Bancoop) reservou o imóvel ao ex-presidente – não seria
jamais colocado à venda – e ele e sua mulher passaram a comandar as obras de
reforma de imóvel bem a seu gosto. Reservou mas não transferiu.
Não foi poupado nenhum
gasto nessa reforma: apenas a cozinha custou mais de cem mil reais (que,
suponho, daria para adquirir algumas casas do Minha Casa, Minha Vida); um
elevador para somente três andares “y otras cositas más”.
Pois bem: o “bem
bolado” não foi tão bem assim: não havia a prova da propriedade do imóvel mas
existiam incontáveis indícios que, somados, constituíram a irrefutável prova do
crime de corrupção passiva e essa prova fundamentou a condenação em primeira
instância e a sua manutenção em segunda, com o aumento da pena por conta de
recurso nesse sentido do Ministério Público Federal.
O julgamento da
apelação foi histórico em alguns sentidos, mas num deles representou um marco: assim
como já se julgou e se condenou alguém pelo crime de homicídio sem que o
cadáver da vítima fosse encontrado, o ex-mandatário foi condenado sem nunca ter
sido civilmente proprietário do imóvel.
O desembargador
relator formulou uma frase que entrará para a história: transferir o imóvel
para o nome do réu seria o mesmo que dar recibo da corrupção.
Ótimo, uma aula de direito "as usual". Parabéns e ab!
ResponderExcluirObrigado e abraço
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