Pular para o conteúdo principal

A (in)segurança pública no Rio de Janeiro


 


      Corria no ano de 2006 quando eu conheci no Canadá um espanhol e passamos a conversar, dizendo de quais países éramos procedentes. Ele fez a seguinte observação: em nossos países estão as praias urbanas mais bonitas do mundo. Esclareceu: em San Sebastián (País Basco), no meu país, e Rio de Janeiro, no teu país. Lamentei que, àquela época, a violência já era comum no Rio e ele disse que um seu parente tinha vindo ao Rio participar de um congresso e só trafegava em um carro blindado. A título de esclarecimento: dois anos após, em 2008, estive em San Sebastián e, francamente, as praias de lá não “pagam placê” comparadas com as do Rio.
      De lá para cá tudo piorou. Há uma versão no mundo jurídico para explicar esse crescimento desenfreado: a partir de 1987 o tráfico de entorpecente parou de ser combatido. Naquela época, o governador era Bizola e seu secretário de Polícia Civil era Nilo Batista: este, numa entrevista à revista ISTOÉ, afirmou que “entorpecente não era problema de polícia” (Nilo era professor de Direito Penal da UERJ – um grande conhecedor do assunto – e até hoje desmente essa versão). Essa frase representou o encerramento do combate a tal crime.
      Sou testemunha dessa “falta de pudor” dos ladrões: eles agem em plena luz do dia, cientes da impunidade. Fui ao Rio em fevereiro de 2017 para assistir ao Rio Open 500. Em dias alternados, encontrei dois amigos com os quais incontáveis vezes joguei tênis. Na quarta-feira, 22 de fevereiro, por volta de 11 horas da manhã, eu e minha esposa caminhávamos no calçadão da praia do Leblon. Pelas tantas, senti um toque no meu ombro direito e, inocentemente, pensei nos dois amigos, mas, ao mesmo tempo, senti que a correntinha que eu trazia no pescoço foi forçada para baixo. Olhei à direita e um adolescente “bombado” estava ao meu lado dizendo algo que não compreendi, mas, certamente, era uma ameaça. Olhei para a esquerda e em minha direção vinha outro “bombado”. Não sei o que me ocorreu mas comecei a gritar “ladrão, pega ladrão”. Estávamos a poucos metros de um quiosque e nem isso inibiu os larápios. Tão logo gritei, o da esquerda desistiu e escafedeu-se; ao mesmo tempo, entrou na avenida Delfim Moreira uma viatura da PM com os vidros fechados. Mudei a fala, embora eu tivesse visto os vidros fechados: “polícia, ladrão, pega ladrão”, o que fez com que o “bombado” da direita corresse. A correntinha, quebrada, ficou pendurada no meu pescoço.
      Conversando, em abril, com um amigo de longa data que hoje mora na Barra ele disse que as praias de Copacabana, Ipanema e Leblon estão tomadas por esses “trombadinhas”, sendo a tônica a insegurança. Estes furtos, que podem ser atingidos pelo princípio da insignificância, bem como os pequenos roubos, são apenas uma das facetas do descalabro em que hoje se encontra a segurança pública na cidade maravilhosa.
      Para desfazer o equívoco cometido há 30 anos, seguramente serão necessários outros 30.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante