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Disparates políticos



            Acompanho política, pode-se dizer, desde muito cedo. Levando-se em conta que minha família veio de mudança para Campinas no ano de 1964, quando eu tinha 16 anos, bem antes disso eu já sabia algo de política: meu pai foi eleito vereador na cidade de Jaú pela UDN. Claramente lembro dos cabos eleitorais indo à minha casa, do material de campanha – os famosos “santinhos” –, a votação, a apuração e, com a vitória, a comemoração.
            O primeiro documento que eu obtive quando atingi a maioridade – 18 anos – foi o título de eleitor: um objeto de papel, com foto, e no verso alguns quadrados impressos em que o mesário apunha um carimbo e assinava. Trabalhei em eleições durante 15 anos, ao mesmo tempo, como representante do juiz eleitoral (275ª Zona Eleitoral), e na apuração (33ª Zona Eleitoral). Em matéria eleitora, só não fui candidato a nenhum cargo eletivo.
            Durante a campanha eleitoral o que mais se vê são mentiras, disparates, falsidades. Vejo algumas que me fazem pensar que os candidatos estão muito bem ou muito mal assessorados. Bem assessorados quando mentem muito bem, sendo extremamente ardilosos, ou mal assessorados quando não são orientados a respeito de, digamos assim, certas “propostas eleitorais”.
            Em criança ouvi incontáveis vezes uma anedota: um candidato discursava no palanque (sim, havia palanques, havia discursos, nas campanhas eleitorais) quando prometeu construir uma ponte naquela cidade. Um assessor “soprou” a ele que naquela urbe não havia rio. O candidato então prometeu que desviaria um rio para aquela cidade...
            Duas promessas de um mesmo candidato na presente campanha chamaram a atenção de tão disparatadas.
            Na primeira, ele enfaticamente prometeu que “limparia” o nome de 63 milhões de brasileiros no SPC. Não se trata, à evidência, que seja algo que caiba nas atribuições de um presidente da República. Instado a detalha-la, ele explicou que formaria, por assim dizer, um “consórcio” entre pessoas agrupadas, em número de cinco, e cada qual seria avalista do outro, de forma que se um não honrasse o compromisso, os outros pagariam. Não consigo ainda entender tal providência como atribuição do presidente da República. Mas, vá lá: como ele poderia “convencer” cinco pessoas a mutuamente se responsabilizarem pelo débito de outras?
            O segundo disparate consistiu em afirmar, como promessa de campanha, que os líderes das facções criminosas seriam postos em presídios de segurança máxima. Até onde eu sei – e estou nessa área há 42 anos – esse trabalho de determinar o regime de cumprimento de pena é exclusivo do Poder Judiciário, e como vivemos numa Estado Democrático de Direito, com a divisão dos poderes em três, que são harmônicos e independentes entre, não consigo ver essa promessa a não ser como um total e absoluto disparate, algo totalmente impossível de ser realizado pelo chefe do Poder Executivo.
            Se não evoluímos em outros pontos, evoluímos neste: as promessas de campanha são cada dia mais irreais.

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