O Supremo Tribunal
Federal está julgando presentemente uma ADIn em que é discutida a
constitucionalidade de um decreto presidencial que concedeu indulto (de Natal)[1]. Um dos pontos da arguição
reside no fato de que alguns condenados pelo crime de corrupção[2] seriam agraciados.
Em primeiro lugar, é
de se dizer que, por preceito constitucional, é atribuição exclusiva do
presidente da República conceder essa forma de extinção total ou parcial da pena.
Extingue totalmente o restante de pena a ser cumprido ou extingue parte da pena
que falta ser cumprida.
Em segundo lugar, não
cabe discussão sobre a constitucionalidade do decreto. O presidente, por intermédio
desse decreto e no exercício do poder discricionário, concede a extinção da
punibilidade para os crimes que ele bem entender. Cabe aqui uma explicação:
esse tipo de indulto é chamado de coletivo, porque atinge um número
indeterminado de condenados (existe o individual). Uma tradição brasileira faz
com que o indulto coletivo não seja concedido aos crimes que foram cometidos
mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Violência, segundo a secular
doutrina penal brasileira, é aquela exercida sobre o corpo da vítima, ou seja,
violência física. Exemplos: roubo (cujo teor descritivo é o seguinte: subtrair
para si ou outrem coisa alheia móvel mediante o emprego de violência ou grave ameaça), em que o sujeito ativo dá uma “gravata”
na vítima enquanto lhe subtrai a carteira. Ou lhe dá uma pancada com um pedaço
de pau para impedir que ela oponha qualquer resistência. Esta é a caraterística:
a vítima é atingida em sua integridade física. No mesmo exemplo do roubo, a
vítima é ameaçada de morte (a ameaça pode ser empregada com uso de arma, por
exemplo) para que possa ser realizada a subtração.
Mas o ministro Luiz
Roberto Barroso resolveu, como já está se tornando um hábito em suas decisões,
inovar, entendendo que a corrupção passiva (aquela em que o sujeito passivo,
sempre um funcionário público, recebe, solicita ou aceita promessa de vantagem indevida)
é um crime violento. Para ficar mais claro, esta é a descrição do crime (artigo
317 do Código Penal): solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem). Claramente se vê
que não há a mais insignificante referência, na descrição do crime, à palavra
violência ou grave ameaça. Mas o ministro, utilizando uma linguagem mais
condizente com aquela empregada nas redes sociais, concluiu que o crime de
corrupção é um crime violento e foi buscar, creio que no Facebook, fundamento à
sua decisão: a corrupção mata, mata aquelas pessoas que estão nas filas do SUS
e outras bobagens que tais.
Não foi esta a
primeira vez que o ministro, para usar uma expressão bem ao seu gosto, “foi um
ponto fora da curva”: no julgamento de um “habeas corpus” em que se discutia a
necessidade de decretação e manutenção da prisão preventiva de um médico
acusado de praticar um aborto, saiu-se com a discussão acerca da criminalização
desse crime. Esse não era o tema da impetração, mas Sua Excelência “saiu da
curva” para fazer a observação acima referida. É que ele “pegou carona” num
tema muito em voga, como o é o da criminalização do aborto e resolveu “dar um
pitaco”, para fazer um agrado à patuleia.
Novamente, “saindo da
curva”, Sua Excelência revogou séculos de doutrina, legislação e
jurisprudência, ao afirmar que a corrupção passiva é um crime violento. Só para
parecer justiceiro.
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