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João de Deus e os crimes sexuais



      Estourou como um petardo de vários megatons a notícia que o mais famoso médium brasileiro, internacionalmente conhecido, foi apontado por incontáveis mulheres de tê-las assediado enquanto prestava-lhes assistência espiritual. Antes mesmo de adentrar a análise jurídico-penal, é necessário que algumas palavras sejam ditas tanto sobre o espiritismo como a mediunidade.
      Diz Therezinha Oliveira (“Mediunidade”, Editora Allan Kardec) que “Espiritismo é a doutrina revelada pelos bons Espíritos e codificada por Allan Kardec”. Discorrendo no capítulo 35, diz a autora que “Espiritualismo e Espiritismo não são a mesma coisa. Espiritualismo é, apenas, o oposto do materialismo. É espiritualista quem crê em algo mais do que a matéria, o que não implica necessariamente crer na existência de Espíritos ou em suas comunicações com o mundo invisível”.
      De outra parte, “mediunidade é uma faculdade humana que serve para a comunicação entre o plano terreno e o espiritual”. Todas as pessoas possuem mediunidade: em algumas é latente e em outras é ostensiva. O médium (intermediário entre o plano terreno e o espiritual) é o agente passivo nas comunicações espirituais. Por assim dizer: o Espírito se comunica pelo médium. Dada essa faculdade a todos, os não-espíritas certamente podem tê-la.
      O médium espírita não opera milagres: estes representam uma revogação das leis divinas.
      Quando aparece uma pessoa intitulando-se médium e operando milagres deve ser logo vista com cautela porque há muitos charlatões.
      Não seria esta a primeira vez em que uma pessoa do naipe de João de Deus vê-se às voltas com a justiça criminal. Os compêndios mais antigos possuem alguns exemplos anedóticos de um crime que se chamava posse sexual mediante fraude e que vinha descrito no artigo 215 do Código Penal. Uma lei do ano de 2009 modificou a redação desse artigo, que ficou com a seguinte redação: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vítima”, com pena de 2 a 6 anos de reclusão.
      Um dos exemplos preferidos pelos autores refere-se a um pai de santo que, a título de expulsar demônios do corpo de uma mulher, mantinha com ela conjunção carnal (no caso, com o ato sexual é mais plausível que ele estivesse introduzindo demônios nela).
      Não é este o caso de João de Deus, pois ele assediava as mulheres apalpando-as ou fazendo com que elas apalpasse as suas partes pudendas durante, por assim dizer, um trabalho mediúnico. Diferentemente do que fazia Roger Abdelmassih: este apalpava as mulheres quando elas estavam anestesiadas.
      Não houve o emprego de violência, nem de grave ameaça, o que de pronto descaracteriza o estupro. Aparentemente, fraude também não. E a lei n° 13.718, deste ano, criou o artigo 215-A, com a seguinte redação: "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de terceiro", com a pena de 1 a 5 anos de reclusão. Parece que a conduta de João de Deus amolda-se a esse tipo penal, porém a lei não pode retroagir para alcançar fatos passados.
      Mas melhor será aguardar a apuração dos fatos, mas de uma coisa pode-se ter certeza: a vida dele como médium "milagreiro" encerrou-se.
     

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