“Reco”, para os que ainda não conhecem
essa gíria antiquíssima (e é possível que alguns [os mais novos] não a conheçam
exatamente pela sua vetustez), é o apelido de recruta, ou seja, um noviço nos
quadros das Forças Armadas.
No ano de 1964 minha família veio de
mudança para Campinas premida pela necessidade de residir numa cidade maior
(éramos de Jaú, SP), em que, principalmente, houvesse faculdade, já que os filhos
estavam na idade de frequentar um curso superior e não havia faculdade na
cidade. Nossa mudança se deu no dia 4 de fevereiro daquele ano e eu não tinha
ainda completado 16 anos.
Na noite do dia 31 de março (ou na
madrugada de 1° de abril) de 1964 foi deflagrado um movimento militar, a
princípio denominado “revolução” e mais tarde “golpe”. Os da minha faixa etária
hão de lembrar do período conturbado que antecedeu ao acontecimento. Dias após
a ocorrência, indo ao centro da cidade (nós morávamos no bairro Bosque) tal não
foi a minha surpresa ao ver, na calçada
defronte a agência dos Correios e Telégrafos, estacionado um carro de combate
(na linguagem popular, “tanque de guerra”).
A partir dessa alteração na ordem
constitucional do país, vários fatos ocorreram, principalmente com uma
repressão a ser exercida pelos militares (aqui compreendidas as três forças).
Como era a época inaugurada, por assim dizer, pelos Beatles, de cabelos
compridos, roupas extravagantes e uso de droga (maconha, em especial), em
Campinas começou uma caça aos drogados feita pelas unidades militares aqui
baseadas (sem trocadilho...). O sinal de que se tratava de um viciado era o
tamanho dos cabelos. Eu, como tantos daquela geração, usava cabelos longos, o
que, em tese, me colocava na mira dos repressores. Eu estudava no Colégio
Cesário Motta e tinha mudado de endereço, residindo próximo ao Liceu, de forma
que, para me deslocar da casa à escola (e vice-versa), apanhava o ônibus
Guanabara 4, num ponto na rua Campos Salles ao lado do fórum da comarca. Quando
via um caminhão do Exército se aproximando, saía correndo para não ser preso
(nunca consegui verificar a veracidade disso: a prisão dos cabeludos [dizia-se
que a primeira providência ao chegar no quartel era rasparem a cabeleira]).
Ao completar 18 anos fiz o meu alistamento
e no ano seguinte, aos 19 (era o ano de 1967), fui chamado para prestar o
serviço militar, coincidentemente na mesma unidade a que pertencia aquele carro
de combate que eu havia visto defronte aos Correios e Telégrafos. Mais
coincidentemente ainda, após fazer um curso, fui designado motorista do veículo
(a guarnição era composta do motorista, auxiliar, atirador e chefe da
guarnição).
No mês de junho de 1968, época das festas
juninas, alguns amigos foram me convidar para ir a uma delas. Fomos. No caminho
(íamos a pé) presenciamos um acidente atrás do Liceu: uma Kombi entrou na
contramão e atingiu uma lambreta, ferindo os dois ocupantes, e com muita gravidade
o carona. Este teve a perna fraturada e tal foi a fratura que o membro se
dobrou, parecendo cena de desenho animado. Providenciado o socorro, fomos à
festa, que se dava numa casa ali perto. Ficamos até tarde.
Na madrugada seguinte, fui acordado pelo
meu pai dizendo que soldados do Exército queriam falar comigo. Pensei que se
tratasse de assunto referente ao acidente, mas não era: um dos soldados disse
que havia “estourado” uma prontidão e deveríamos incontinenti ao quartel.
Coloquei algumas coisas na maleta, subi no caminhão e fomos ao quartel (1°
BCCL). Todos em forma, o comandante nos informou que haviam explodido um carro
bomba no QG do II Exército (Ibirapuera), havia morrido um soldado e que iríamos
imediatamente para lá (depois se apurou que o ataque foi perpetrado pelo grupo
VAR-Palmares: Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares). Preparamos os carros e
os embarcamos num auto-trem, viajando para a capital. Chegando na estação da
Lapa, ficamos aguardando ordem de desembarque, pois, ao contrário do que
pensaram as autoridades militares, não se seguiu nenhum ataque àquele primeiro,
mas, conforme penso, elas achavam que havia a possibilidade de que ocorressem. Ficamos
embarcados por três dias, e eu dormia dentro do carro de combate, sem poder
tomar banho, nem trocar de roupa. As necessidades nós as fazíamos no banheiro
de um bar ou na estação. A ordem de desembarque não veio e retornamos a
Campinas, chegando aqui à noite, e tivemos que aguardar o dia amanhecer para,
finalmente, desembarcarmos.
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