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Mostrando postagens de setembro, 2015

Os sapatos do advogado

      Ele teve uma infância difícil, morando, juntamente com sua família, num “cortiço” na avenida Barão de Itapura, bem próximo à linha do trem da Mogiana. Nas várias vezes diárias em que o trem  por ali passava as porteiras eram fechada, interrompendo o tráfego. Depois, a sua família mudou-se para o bairro Vila Nova, nas proximidades da igreja. Numa ocorrência até agora para mim inexplicável, um seu irmão foi morto por um soldado da (então) Força Pública; parece que o projétil atingiu a sua perna e ele entrou num matagal, ali falecendo.       Durante o fim de sua adolescência e no início da idade adulta ele começou a lavar os automóveis das pessoas do bairro em que eu morava em troca de (hoje) dez ou vinte reais; vários moradores “utilizavam” os seus serviços. Além do pagamento, alguns lhe davam roupas usadas – camisas e calças – e sapatos. Eu mesmo fiz isso algumas vezes. Por essa época ele, afastado da família, morava de favor num quarto de fundo de uma oficina mecânica lo

As várias mortes do prefeito - capítulo 42

Capítulo 42                         Aos 28 de janeiro de 2002 foi, via “intranet”, expedida ordem pelo Delegado Geral de Polícia, que é a autoridade máxima da Polícia Civil, superada apenas pelo Secretário de Segurança Pública, para que o inquérito policial, até então tramitando pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa da Delegacia de Investigações Gerais da Delegacia Seccional de Polícia de Campinas fosse encaminhado ao Departamento de Homicídios e Proteção è Pessoa do DEIC (um Delegado de Polícia desse departamento já havia participado de algumas audiências realizadas em Campinas, tanto pela polícia, quanto pelo Ministério Público). A ordem era para que aquele departamento de prosseguisse nas investigações “até final conclusão, comunicando-se o juízo local quanto à avocação”.                         Não obstante a ordem, no dia 29 de janeiro o Delegado de Polícia do SHPP ouviu em depoimento o motorista que conduzia o ônibus que na noite de 10 de setembro, por vol

A lei de Gérson

     Gérson de Oliveira Nunes foi um dos grandes jogadores brasileiros. Seu apelido era “canhotinha de ouro”. “Vestiu as camisas” – como diriam os comentaristas esportivos – de times como Flamengo, Botafogo, Fluminense e São Paulo. Fez parte da famosa seleção brasileira de futebol que, no ano de 1970, no México, abocanhou pela terceira, e derradeira, vez a Taça Jules Rimet. Para os que não lembram, a equipe nacional que vencesse a competição por três vezes ficaria com a taça definitivamente; porém, a alegria durou pouco, pois ela, estando guardada na sede da CBD – Confederação Brasileira de Desportes -, foi surripiada e derretida. Nem essa prova da superioridade do futebol brasileiro foi respeitada, como, de resto, incontáveis outros símbolos são amiúde desrespeitados. Aliás, o furto demonstrou que o brasileiro é superior aos outros povos neste quesito: o desrespeito ao passado.       Num dado momento de sua exitosa carreira, quando corria o ano de 1976, o craque foi contra

O tiroteio na catedral e a legítima defesa de terceiro

      As cenas são estarrecedoras e foram exibidas à exaustão pelas redes de televisão em seus principais telejornais: na escadaria da icônica Catedral da Sé, um homem armado luta com uma mulher que tenta desarma-lo. Em seu socorro vem um homem, que depois se soube era um sem-teto, que empurra o agressor; este, desvencilhando-se, atira no peito do, digamos, socorrista, e, em seguida é alvejado por inúmeros tiros disparados por soldados da Polícia Militar. O sem-teto, encostado na parede da catedral, aos poucos desliza em direção à morte; o agressor inicial, alvejado por diversos projéteis, também sucumbe.       As cenas, especialmente a vivida pelo sem-teto (pelos telejornais chamado de “morador de rua”, termo que desagrada os assistentes sociais, que preferem denomina-los de “pessoa em situação de rua”; eu, porém, prefiro a expressão “sem-teto”, uma denominação quase universal: homeless   e sin-techo, para citar apenas duas), remete a um tema de Direito Penal que é muito discut

Delação, confissão, tortura

      A confissão sempre foi considerada a “rainha das provas”, ao passo que a prova testemunhal era a “prostituta”, em virtude de sua falibidade, seja porque a testemunha sofreu perdas em sua memória, seja porque de alguma forma resolveu mentir. Ninguém melhor do que o suspeito (ou acusado) para contar como o crime ocorreu, pois, supostamente, foi ele que o praticou. A confissão no processo representava de uma certa forma, tal qual na religião, o arrependimento do sujeito ativo da infração criminal.       Como era a rainha das provas, nada melhor, raciocinava-se em tempos de antanho, do que, ante a recalcitrância do suspeito, empregar a tortura para fazê-lo admitir haver sido ele a praticar o crime. Ademais, naqueles tempos os castigos físicos compunham a maioria das penas para inúmeros crimes. No conceito “castigo físico” inclua-se a morte. Sob tortura a pessoa confessava até crimes que não havia praticado.       Na literatura jurídica brasileira há um caso que é estudado à